EDUARDO SILVA sugere um caráter decisivo para 2021 quanto ao papel a desempenhar pela Índia na luta contra as alterações climáticas.
Apesar de toda a atenção mediática e política dada ao tema
das alterações climáticas na última década e embora a ligeira queda nas emissões
de dióxido carbono a nível global no último ano, proporcionada pelas consequências
da pandemia, o caminho continua a levar-nos para um aumento de 1,5ºC (limiar a partir
do qual se considera não existir retorno, em que as consequências para o
planeta serão devastadoras) até ao fim desta década.
Pontapé de saída para uma resposta conjunta?
A Conferência de Paris, em 2015, em que a grande maioria dos
países do mundo reuniu em consenso, foi um importante primeiro passo para a
união global em torno desta questão transversal. A Índia, um dos maiores países
do mundo a nível económico, demográfico e sendo também um dos maiores
poluidores do mundo, tinha à data desta conferência uma importância
indiscutível no processo de negociação. Para além destes dados, o facto de ser
um país em desenvolvimento permite ter um papel mediador entre os países mais
desenvolvidos e os menos desenvolvidos no que respeita às decisões de atribuição
de metas e responsabilidades climáticas entre os vários atores globais. Aqui, o
primeiro ministro indiano propôs um esquema de diferenciação, de justiça
climática, em que os países desenvolvidos deveriam ter responsabilidades
maiores em termos de redução dos danos climáticos de modo a permitir que os
países em desenvolvimento pudessem crescer dentro de um limite ainda possível
de danos controlados, visto que os mesmos países desenvolvidos só o são à custa
de enormes níveis de poluição. Apesar disto, a visão indiana considera já ter realizado
mais esforço na luta contra as alterações climáticas do que a sua contribuição
para as mesmas, ao invés de países desenvolvidos como os EUA que fizeram
precisamente o contrário.
Esta conferência revelou-se um importante pontapé de saída para uma resposta
global e conjunta às alterações climáticas, antecedendo uma série de
conferências que viriam a ter o objetivo de cimentar medidas e intensificar ambições. Em 2021, espera-se a
derradeira conferência em Glasgow, a COP 26, adiada em 2020 devido à pandemia.
2021, (mais) uma oportunidade única
2021 pode revelar-se fundamental no futuro das alterações
climáticas por vários motivos:
·
Em novembro irá realizar-se, em Glasgow, a COP
26, que é a conferência sucessora da fracassada COP 25, realizada em Madrid,
marcada por vários protestos e por um fracasso assumido pelo próprio Secretário
Geral das Nações Unidas.
Esta poderá ser uma reunião decisiva no comprometimento dos Estados em atingir
metas mais ambiciosas em comparação com 2015, em Paris, e já pré-negociações
estão a ser realizadas para estabelecer acordos de forma a beneficiar os resultados
da conferência;
·
Grandes potências mundiais, como a China ou o
Reino Unido comprometeram-se recentemente com redução total da emissão de CO2 até
meio deste século;
·
As fontes de energia renováveis são neste
momento a “fonte de energia mais barata da História”.
·
A crise provocada pela pandemia está a
incentivar pacotes de recuperação económica de forma a potenciar o crescimento
e surge assim uma janela aberta para optar pelo investimento em políticas verdes
e energias renováveis, com claros
benefícios para o emprego e economia, permitindo vislumbrar uma mudança de
paradigma.
Que papel terá a Índia no
rescaldo da pandemia ?
Até 2040 é expectável que a Índia
ultrapasse os EUA como a segunda maior economia do mundo, atrás da China. Esta
evolução, aliada a uma mudança na ordem internacional a que temos assistido
pode posicionar a maior democracia do mundo na mais influente da segunda metade
do século XXI. A região Índico-Pacífico, com mais de 65% da população mundial,
que coletivamente produz
mais de 60% do PIB global pode ter na Índia: um pilar englobador, capaz de
reunir e assistir países pouco desenvolvidos desta região; uma ponte para o
mundo ocidental, facilitada pelos princípios democráticos em comum e pela maior
diáspora do mundo (18
milhões) que garante um importante fator alienador de culturas entre vários
povos assim como se revela uma arma importante de softpower, que o país assume
de forma diplomática ser um pilar da sua política
externa. Deste modo, a Índia tem todas as condições (económicas,
demográficas, culturais, políticas) para se assumir como uma potência global.
Conclusão
Ora, apesar de a Índia ser o país
mais perto de atingir as metas propostas no acordo de Paris, este continua a
ser um dos maiores produtores de carvão do mundo, a indústria mais danosa para
o ambiente e é o único grande emissor mundial a não ter uma estratégia definida
de 0
emissões.
A COP 26 este ano pode ser
decisiva para a Índia definir o seu papel enquanto potência emergente: será
adiar os compromissos climáticos e com isso comprometer o próprio futuro (a
Índia é um dos países mais afetados pelas alterações climáticas) e a própria
economia
ou assumir-se-á como a grande
potência que todos esperam? O mundo precisa que seja.
Fonte: The New York Times
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