PATRÍCIA RODRIGUES reconhece que a questão impõe-se (mais uma vez). O assunto parecia encerrado, ou pelo menos adiado, todavia o Brexit e a pandemia permitiram a renovação do argumento pela independência da Escócia.
Embora esteja integrada no Reino Unido, a Escócia goza de certas particularidades político-legais devido a um processo denominado por devolution que consistiu na devolução de poderes outrora detidos pelo Parlamento de Westminster aos países da Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. Setores importantes como o da Educação e o da Saúde passaram a ser da competência dos parlamentos nacionais, contudo áreas como política externa e segurança, defesa, políticas económicas e imigração mantiveram-se reservadas ao Governo do Reino Unido. Boris Johnson, Primeiro-Ministro do Reino Unido, referiu que este fenómeno está a ser utilizado para incentivar o crescimento do sentimento nacionalista e separatista devido à ação do Partido Nacional Escocês e reforça a importância de manter o Reino Unido forte e unido perante as adversidades que enfrentam.
Uma das personalidades mais preponderantes na luta pela independência é Nicola Sturgeon, Primeira-Ministra da Escócia desde 2014 e líder do Partido Nacional Escocês. Este partido ganhou, pela primeira vez, as eleições legislativas de 2007, contrariando a predominância do Partido Trabalhista e conquistou 47 assentos num total de 129 lugares parlamentares. A Primeira-Ministra defende ativamente a independência da Escócia e lamenta a saída do Reino Unido da União Europeia, afirmando que "estamos agora a passar por um 'Brexit' duro contra a nossa vontade, no pior momento possível, no meio de uma pandemia e recessão económica."
Não obstante o Parlamento escocês tenha votado a favor da realização de um novo referendo, Boris Johnson recusa-se firmemente em convocar a realização de uma nova consulta secessionista, uma vez que defende que se deve respeitar a vitória da opção “Não” no referendo realizado em 2014 e afirma que é um evento que “só acontece uma vez numa geração".
Quais
seriam as consequências quer a nível doméstico quer a nível internacional caso
a independência fosse aprovada? A nível interno existiram repercussões
intensas tais como a criação de medidas de controlo das fronteiras com
Inglaterra, a possível adoção de uma nova moeda, os membros escoceses pertencentes
ao Parlamento de Westminster teriam de abandonar os seus cargos e ainda a possibilidade de uma crise no mercado britânico tendo em conta que a Escócia
é o segundo maior parceiro comercial do Reino Unido,
entre outras. Relativamente ao nível
internacional, as consequências ganham outras dimensões. Sendo o Reino Unido um
membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas,
este ocupa um lugar de destaque e poderá ver a sua posição política e a respetiva
esfera de influência enfraquecida perante a comunidade internacional devido à sua
eventual fragmentação. Com a saída da Escócia do Reino Unido, este país teria
de se candidatar formalmente para reintegrar a ONU e o mesmo acontece com a União Europeia. Sturgeon reitera que
pretende que a Escócia enquanto nação independente adira à União Europeia,
admitindo que "como membro independente da União Europeia, a Escócia seria um parceiro e poderia construir pontes - não apenas para a construção de uma economia mais forte e uma sociedade mais justa, mas para facilitar as relações entre a UE e o Reino Unido." Além disto, caso demonstrasse essa vontade, a Escócia teria de se recandidatar
também ao Espaço Schengen dado que o Brexit conduziu ao fim da livre circulação
britânica no espaço europeu.
Dito
isto, é possível caracterizar a Escócia como um ator internacional detentor de agency,
isto é, reúne todos os requisitos indicados por Uwe Wunderlich - na sua obra "The EU – A Post-Westphalian Actor in
a Neo-Westphalian World?" - nomeadamente
identidade interna, presença internacional, entre outras e, simultaneamente, tem
a capacidade de provocar alterações no seio da comunidade internacional. Ao pretender
a prossecução do interesse nacional, este ator consegue demonstrar a sua
posição e consegue aplicar não só melhor mas também de forma mais direta a sua
capacidade de ação tendo em conta os constrangimentos externos e os mecanismos
a serem utilizados para exercer a sua influência fora dos seus limites
fronteiriços. A referida capacidade de agir prende-se por ser o reflexo da interação
entre as perceções internas, neste caso escocesas, e as capacidades externas
quer seja com organizações internacionais quer seja com outros Estados. Assim,
a política externa escocesa é uma conjugação da política interna e da política que
está intimamente relacionada com o reconhecimento internacional.
A decisão referente à permanência da Escócia no Reino Unido deveria ser revista junto dos eleitores perante o fenómeno Brexit e ao gradual descontentamento dos escoceses perante as medidas de combate à pandemia que estão a ser aplicadas pelo Primeiro-Ministro britânico. O movimento independentista continua a conquistar mais adeptos e o Partido Nacional Escocês pretende continuar a concentrar mais poder em si de modo a dar legitimidade à realização de um novo referendo. A união de mais de 300 anos entre a Escócia e o Reino Unido encontra-se em risco.
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