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A invisível muralha irlandesa, muitas promessas por cumprir, na primeira grande crise pós Brexit

 

JOÃO SILVA observa o começo de um novo capítulo nas relações entre a Irlanda e o Reino Unido, na questão que tarda a morrer, agravada pela pandemia e as Políticas do Brexit a par de novas narrativas e atores, retornando assim, uma velha tensão indesejada, que até agora se pensava, pelo menos, controlada.

Com o calendário a anunciar o primeiro dia do ano, 1 de janeiro de 2021, terminava assim o período transitório do Brexit, discutindo-se até aos últimos dias vários acordos, de forma a suprimir até à última hora, os mais ínfimos detalhes. Não obstante tal onde se previa, não sendo preciso esperar muito eclode a primeira grande crise, a eterna questão referente à fronteira irlandesa.

Em cima da mesa, precede um legado amargo. A estrutura que compõe as relações atuais reflete as clivagens de uma longa história com vários conflitos, onde vigora uma paz frágil alcançada com uma difícil vitória. Com o Brexit, estas velhas questões foram negociadas num denominado “Protocolo Irlandês”, tal procura continuar tal vitória, e evitar as crescentes e constantes fricções que a ameaçam.

Tal move-se pela política de “No Hard Borders” tanto internas e externas (marítima)  representando os duplos interesses que movem estes dois atores, por um lado a aproximação e paz entre irlandeses, no outro lado a permanência e a não disrupção da união dos territórios que compõem oReino Unido, porém tal estrutura já enfrenta várias crises, para além das razões históricas, é importante também analisar as questões comerciais e de segurança que compõem tal protocolo e por exemplo como estes impactam na tão atual Saúde Pública.

O protocolo Irlandês atualiza assim as relações comerciais entre vários atores, a União Europeia, o Reino Unido, mas também protege o Agency da ilha da Irlanda. E como já citado este é estruturado em 3 grandes momentos, foi discutido primeiramente no primeiro acordo do Brexit entre representantes do Reino Unido e da União Europeia, posteriormente é revisto por uma Comissão, dedicada às questões que eclodiam na Irlanda do Norte, liderado por Michael Gove e Maroš Šefčovič, por fim um acordo de comércio livre entre o Reino Unido e a União Europeia, “ironicamente” os dois blocos ao qual a dupla soberania irlandesa se encaixa.

A ilha da Irlanda, em seu todo permanece na zona alfandegária da UE, ou seja isto significa que as exportações do RU  para a Irlanda do Norte é como  entrassem numa zona oficial da UE, logo pagam taxas e como não existe a tal hard border, existe o perigo acrescido de contrabando do RU para zonas “oficiais da UE”(República da Irlanda, França…) pagando taxa isto é solucionado, porém caso o produto não saia da Irlanda do Norte, o valor da taxa pode ser reembolsado por exemplo pelos comerciantes.

Outros pontos deste primeiro acordo adicionam, ainda que devido aos motivos já citados, que ainda existe uma divisão nas importações e exportações de produtos, os produtos em menor risco de contrabando, ou “No Risk” não requerem de uma declaração alfandegária/Fronteiriça só requerem o cuidado da taxa, porém os produtos que apresentem “maior tendência”, requerem este documento adicional. Por fim os produtos que saiam da Irlanda do Norte para o RU requerem sempre o tal documento, neste caso de saída, pois o fazem de uma “zona europeia”.

Não obstante, com a revisão por parte do Comité da Irlanda do Norte, devido a crise do Market Bill no RU e que será conhecida como a “revisão de Gove”, adiciona a condição de Trusted Partners, com isto os grandes produtores passam a não requer a declaração alfandegária, devido à confiança que adquirem e mantêm. Assim o documento de saída na situação da Irlanda do Norte para o RU cai, para a maioria das trocas comerciais, exceto produtos de carater ambiental e de caráter especial. (Armas, diamantes em bruto, GMO , espécies em perigo, poluentes…) 

Por fim o free trade Agreement, elimina as taxas anteriormente referidas e sem o pagamento de taxas não há incentivo ao contrabando. Porém isto não elimina a atividade fronteiriça, um dos usos que permanece é o controlo pelas mesmas razões, quanto ao comércio com produtos de outros países (Third Parties) sendo que para estes produtos para além de taxa, é necessário o documento de origem do mesmo produto.  

É também importante aqui citar alguns pontos, os 3 momentos preveem que produtos do RU produzidos com importações externas sejam considerados como produtos internos, a não ser que haja contrabando associado tal pode ser investigado por ambas as partes, pedindo a declaração de origem,  seja o RU ou a UE. Tal processo é por fim avaliado pelo Comité da Irlanda do Norte, existindo este mesmo comité sobre outros temas. (ver figura). 

Tudo isto é possível com um acordo de data sharing entre fronteiras e mais um período transitório para as empresas e os produtos que importam de forma a acertar os documentos de origem, até 31 de janeiro de 2022.


Quanto à atual saúde Pública e as suas questões, esta impacta no controlo sanitário e nas normas do mesmo, seja para o transporte de animais vivos e em produtos alimentares. Aqui em questão fica mais uma vez a ilha irlandesa como Fronteira da UE e consequentemente as mesmas normas, até já o era antes do Brexit mas antes,  o processo de controlo era muito mais simples. 

Atualmente é necessário documentação de avaliação sanitária e vários produtos foram banidos ao comércio até à sua regularização,  por fim o “remix de gove” introduz mais uma vez os parceiros de confiança porém isto só serve durante 3 e até 6 meses, mais um período transitório para se acertar a situação com a documentação. Porém o maior entrave está no free trade agreement que não tem mais nada a acrescentar num assunto ainda por resolver, até à data o RU mantém as mesmas normas da União mas tal como o slogan do Brexit dizia, vamos fazer o nosso próprio caminho, existe tensão porque há esta indefinição por tratar, o que está já acordado transmite  que a responsabilidade é de quem exporta, no caso da Irlanda do Norte cai sobre o RU. 

Ou seja, até agora os requisitos são mínimos, de forma para o acordos passarem e o brexit dá mais um passo até a sua conclusão, desconhecida. Numa crise de saúde Pública isto revela-se como mais um risco, uma tensão à espera de acontecer, outro surto pandémico é outra grande dor de cabeça, para além que mudanças internas às normas do RU tornaram a fronteira marítima mais visível.

Já foi também noticiado falhas no abastecimento nos supermercados, que os deixou vazios, bem como tensões na crise da distribuição de vacinas para o Covid-19. Ainda para mais que o agency da ilha, entrou emtensão por parte do Reino Unido e a União Europeia, ao ameaçarem evocar a cláusula 16 do mesmo tratado e sem conhecimento da dupla soberania.  

Será razoável todo este compromisso, com várias promessas por cumprir, como a da invisível muralha, e com um processo em crescente tensão num adiamento perigoso, estará assim a paz no lugar onde Judas perdeu as Botas?  


 

 

 


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