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A Pandemia da Covid-19 e a importância da cooperação europeia na resposta à crise migratória - por Ana Gil


Na primeira metade de 2020, 23 288 pessoas tentaram chegar à Europa através do mar. Mesmo sendo este um valor muito abaixo do verificado em 2015, é crucial a elaboração de medidas mais eficazes para responder a este flagelo. No entanto, a pandemia da Covid-19 veio colocar entraves à atuação.


Antes de mais, importa compreender as razões que fazem desta uma questão tão importante.

Em primeiro lugar, a União-Europeia, enquanto projeto que pretende defender os direitos e liberdades individuais, deve adotar uma posição coerente e reger-se pelos mesmos princípios em todas as vertentes da sua atuação política, não podendo, portanto, ignorar os atentados aos direitos humanos que ocorrem no âmbito desta problemática. Em segundo lugar, esta é uma questão particularmente necessária de ser perspetivada e solucionada à luz da atuação e cooperação internacional, conjugando a política externa de todos os Estados-Membros. Esta necessidade remete para a existência de um espaço de livre circulação dentro da Europa, que faz com que a atuação de um Estado em relação às suas fronteiras tenha impactos para toda a UE - tal como é explicado no Pacto Europeu sobre a Imigração e oAsilo, de 2008. Por último, também os cidadãos europeus transmitem aos decisores políticos que reconhecem a importância deste tema, quando, em 2019, nas eleições para o Parlamento Europeu, a questão da migração foi a quinta maior temática tida em conta nas decisões de voto.

 

Após Erdogan ter quebrado, no início de 2020, o pacto de 2016 estabelecido entre a Turquia e a União Europeia, e, abrindo as suas fronteiras a requerentes de asilo, as medidas de resposta à crise migratória voltaram a marcar a agenda politica e mediática. Mas rapidamente perderam a ribalta, quando Novo CoronaVírus chegou à europa.

As preocupações de contenção do vírus tornaram-se de primeira importância e as medidas de resposta à crise migratória foram deixadas em pausa, agravando as condições desumanas em que se encontram as pessoas que vieram à procura de asilo. São várias as formas como a crise de saúde pública veio agravar este problema :

·         Campos de Refugiados sobrelotados e com défice de condições habitacionais potenciam a possibilidade de surtos incontroláveis, que teriam impactos desastrosos nas comunidades;

·         A urgência em conter a propagação do vírus tem levado à adoção de medidas centradas nos interesses nacionais, deixando as preocupações transnacionais para segunda instância;

·     As ordens de confinamento e o receio do vírus causou uma diminuição no número de voluntários, dificultando a ação das ONGs;

·         O encerramento das fronteiras nacionais afigura-se como um grande entrave ao asilo;

·         Forças de extrema-direita têm utilizado a pandemia como justificação para a recusa de ajuda humanitária;

·         O impacto financeiro da crise de saúde pública poderá comprometer o financiamento dos projetos e medidas dedicas a esta problemática.

Não obstante, os problemas relacionados com as políticas de migrações e asilo da União Europeia não se devem apenas à pandemia. Um dos exemplos da ineficácia da atuação europeia é Moria, o campo de refugiados construído em 2015 para alojar 3000 pessoas, onde vivem mais de 20.000 refugiados e requerentes de asilo.

Tendo tudo isto em conta, urge a importância da implementação de políticas mais eficazes na área da imigração e asilo. Neste sentido, quais devem as estratégias da união europeia ? Realojar refugiados e requerentes de asilo, de modo a solucionar a sobrepopulação em campos de acolhimento; melhorar a condições habitacionais e, principalmente, médicas dos campos e combater fake news que demonizem quem procura asilo devem ser algumas das diretrizes da União-Europeia.

Em Novembro de 2020, foi assinado um novo Pacto de Migração e Asilo. O objetivo é potenciar a cooperação entre os Estados-Membros através de uma partilha de responsabilidades e de “procedimentos mais rápidos e eficazes” .  O pacto prevê, igualmente, uma coordenação das políticas nacionais, uma “estreita colaboração entre a EU e os Estados-Membros” e uma “abordagem coerente em matéria de migração a todos os níveis: bilateral, regional e mundial”.

No entanto, este novo pacto não obriga os Estados-Membros a acolher refugiados, mas sim apresenta a opção de os Estados escolherem entre acolher ou patrocinar o regresso ao país de origem. Esta opção compromete a ajuda Humanitária e levou a que a Amnistia internacional se pronunciasse contra a posição adotada no pacto.

Assim, podemos observar que embora tenha havido esforço político por parte das instituições para formular um novo pacto que garantisse mais cooperação, as exigências, neste momento, estão altas e a sociedade civil está atenta. Urge a necessidade de um real esforço coletivo e de uma verdadeira e desinteressada intenção de defender os direitos humanos e liberdades das pessoas refugiadas.

 

Numa ótica de análise agente/estrutura, podemos dizer que a União Europeia, enquanto estrutura, e os Estados-Membros, enquanto agentes, exercem influencia um no outro, de modo co-constitutivo. Como diria James Rosenau, existe uma relação bilateral de influência entre estes agentes e esta estrutura. A questão que se coloca é, então, qual das partes consegue exercer mais peso sobre a outra? O anterior Pacto sobre a Migração e Asilo, ao ser menos flexível naqueles que eram os deveres dos Estados no âmbito das políticas migratórias, beneficiava uma perspetiva estruturalista, uma vez que o poder da União Europeia fazia-se sentir mais firmemente na Política Externa dos Estados no que concerne esta área de atuação. Pelo contrário, o Pacto de 2020, ao ser mais flexível naqueles que são os deveres dos Estados, abre espaço para que se considere que os agentes são mais independentes da estrutura do que seriam em 2008, com o anterior pacto. Ainda assim, tendo em conta o momento preocupante pelo qual passamos atualmente, creio que a União Europeia deveria fazer valer o seu papel enquanto estrutura para promover a defesa dos direitos humanos no âmbito da Política externa e, principalmente, da política migratória dos Estados membros.

 

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