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África, Vacina e a Competição Geopolítica

 


Sofia Fernandes constata que com a chegada da vacina se sucede a intensificação da competição geopolítica, nomeadamente entre a China e os EUA onde países mais pobres, em especial os países de África, são influenciados por esta luta entre potências, na corrida à compra da vacina.

Os países de África precisam de ter acesso a vacinação de larga escala para progredir para uma normalidade pós-pandémica, o que não será algo propriamente fácil atendendo às implicações económicas que a pandemia abarcou para os países africanos, especialmente países que exportam petróleo, como Angola, Nigéria e África do Sul, cuja economia demorará a recuperar.

            De acordo com o Economist, só em 2023 é que África terá acesso às vacinas necessárias para vacinar os profissionais de saúde, idosos e outros grupos vulneráveis. E só em 2025, é que se conseguirá cobrir o universo da população africana. Até fevereiro de 2020, o continente africano garantiu 270 milhões de vacinas, das 1.5 biliões necessárias para cobrir 60% da população africana, provenientes da Pfizer, AstraZeneca e Johnson & Johnson. Um dos principais fornecedores da vacina é o COVAX, Covid-19 Vaccine Global Access, mas ainda não entregou uma única dose a nenhum país.

            Para além da falta de stock da vacina, surgem outros problemas associados à vacina, entre eles económicos, uma vez que África está a recorrer a créditos para financiar a compra das vacinas o que se traduz num aumento da dívida pública. Outro problema que os países africanos enfrentam é a falta de material para manter as vacinas na temperatura necessária, ou mesmo o sistema de saúde ineficiente e a constante desinformação acerca da vacina.

            A situação africana é uma oportunidade para a luta de poderes entre China e EUA. África encontra-se entre a diplomacia do soft power da China e o nacionalismo do ocidente.

Numa fase inicial, a China ofereceu as vacinas aos países africanos, mudando posteriormente o seu discurso para um acesso a preço baixo. De qualquer das formas, a China tenta apresentar-se como uma potência benigna que ajuda e que investe no combate ao coronavírus. A China ultrapassou a tragédia e rapidamente se tornou um modelo de sucesso.

À semelhança da China, a Rússia ofereceu à União Africana 300 milhões de doses das vacina Sputnik V em conjunto com um pacote financeiro para os países que quisessem garantir a compra da vacinas.

            O nacionalismo da vacina, nos países mais ricos, está a criar barreiras ao acesso à vacina. Uma proposta feita pela Índia e pela África do Sul, para partilha intelectual da pesquisa da vacina do coronavírus, ao World Trade Organization, OMC (Organização Mundial do Comércio), mas foi recusada pelos países ricos como Canadá, a União Europeia, Noruega, EUA e o Reino Unido, sob o argumento de que os objetivos da proposta podem ser atingidos através do COVAX. Este nacionalismo levou a que países da África se encontrem no fim da corrida à vacina.

            O continente africano tornou-se um instrumento para a disputa de poder entre as potências dos EUA e da China, onde a estratégia da diplomacia do soft power da China é olhada com desconfiança, o que impulsiona o nacionalismo da vacina criando barreiras à distribuição equitativa da vacina entre países. E o programa COVAX só consegue alcançar cerca de 20 por cento das populações mais vulneráveis e ainda não se mostrou eficaz.

            Emmanuel Mácron, Presidente Francês, posicionou-se contra o nacionalismo da vacina, o que levou a um aumento do investimento, dos países do G7, no COVAX. A nova liderança do WTO, deve tornar prioridade coordenar o relaxamento das proteções da propriedade intelectual da tecnologia farmacêutica, para um acesso universal mais acessível.

            Atendendo às características africanas, a melhor aposta seria a vacina Americana, da Johnson & Johnson, mediante condições como distribuição atempada e economicamente acessível.

                Neste palco de forças geopolíticas, os EUA têm a oportunidade de formar ou reforçar as alianças com o continente africano, caso os EUA parem de impedir a cooperação multilateral nos assuntos de saúde pública.

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