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“Alea Jacta Est” Será o Brexit a moderna travessia do rubicão e o ponto de não retorno na construção europeia?


FILIPE GALVÃO discorre sobre a importância do Brexit no projeto europeu e se este pode contribuir, definitivamente, para o fim da União Europeia ou se será um factor de coesão para os restantes 27 estados-membros.

A 10 de janeiro do ano 49 A.C Júlio César atravessa o rio rubicão, no norte de Itália, em direcção a Roma, acto que constituía à luz do direito Romano da época uma traição ao poder do Senado e da República Romana, dando inicio a um período ditatorial.

1967 Anos depois, no dia 23 de junho de 2016 os eleitores do Reino Unido foram convocados às urnas para referendar a permanência ou saída do Reino Unido da União Europeia, o tão famoso “Brexit”, acabando por vencer a saída com 51,9% dos votos com uma taxa de participação de 72,2%.

Os referendos no Reino Unido, sobre a permanência na EU, não são novidade e em 1975, apenas dois anos após aderir à UE, o Reino Unido realizou um referendo sobre a permanência ou saída da UE acabando por ganhar a permanência, este referendo surge doze anos após o primeiro veto de De Gaulle à entrada do Reino Unido e oito anos após o segundo veto também de De Gaulle, revelando um clima de crispação e cepticismo de ambos os lados quanto à entrada do Reino Unido na EU.

Voltando à actualidade, após intensas negociações a saída do Reino Unido efectivou-se no dia 31 de Janeiro de 2020, tornando-se no primeiro Estado-Membro a abandonar a EU, uma situação prevista no artigo 50 do Tratado da União Europeia “qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União”, atingia-se assim o ponto de não retorno.

Este ponto de não retorno acontece devido à capacidade de agir dos actores envolvidos no processo de “construção” do Brexit, quer através de reivindicações legítimas quer através de fake news, sobrepor-se à capacidade de agir e de responder das instituições Europeias.

As consequências do Brexit foram imediatas e especialmente sentidas no Reino Unido, a economia desacelerou e inúmeras multinacionais mudaram as suas sedes para países da UE. Outra das consequências é o facto de os jovens trabalhadores do Reino Unido com alto grau de especialização já não poderem deslocar-se, ou emigrar, para países da UE tão facilmente. Mas talvez o maior perigo que o Brexit representa para o Reino Unido é a questão Escocesa e as suas pretensões independentistas, e que podem representar a “implosão” do Reino Unido.

Do lado da UE os efeitos fizeram-se principalmente no espectro político, nomeadamente na França e Alemanha, onde existem grandes grupos políticos de extrema-direita que são anti-imigração, anti-globalização e anti europa e que ganharam força e se sentiram mais legitimados com a vitória o Brexit.

Não obstante, são nestes dois países que poderão, ou deverão, residir as respostas da UE ao Brexit e impedir que este seja um moderno “Rubicão” para o futuro da mesma. Historicamente todos sabemos que a relação Franco-Alemã sempre foi cíclica e teve momentos bastante baixos, Guerra Franco-Prussiana, I e II Guerra Mundial, contudo, estes estados foram fundamentais para a construção do projeto Europeu e poderão, novamente, vir a ter um papel “re-fundador”.

Os primeiros passos parecem já terem sido dados com a assinatura do tratado de Aachen, que apesar de ser alvo de críticas por falta de ambição, definiu ferramentas concretas de cooperação em varias matérias, nomeadamente nas áreas de economia, segurança e defesa, e cooperação entre os dois parlamentos através de uma comissão composta por membros de ambos os parlamentos.

Em resposta à questão de partida, julgo que o Brexit não seja o início do fim da UE, contudo, os factores que contribuíram para a emergência deste fenómeno se não forem suprimidos podem contribuir para a implosão do projecto europeu, factores tais como a manifesta incapacidade da UE criar mecanismos que defendam os mais prejudicados pela globalização e de distribuir de forma mais equitativa os “lucros” dessa mesma globalização.

A UE, como grande promotora da globalização através do mercado único que “escancarou” as portas da Europa para esse fenómeno, tem de criar uma estrutura (encabeçada pelo eixo Franco-Alemão) capaz de ter uma maior influência nas politicas sociais de cada Estado-Membro, de forma a contrariar esses fenómenos extremistas que cada vez mais ganham terreno no seio da UE, e que representam uma verdadeira ameaça para o futuro da mesma, e também, para que não sirvam de inspirações a futuros “Brexits”.

Fonte da Imagem:https://www.dw.com/pt-br/opini%C3%A3o-brexit-um-ano-desperdi%C3%A7ado/a-43187897

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