
Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil desde 2019, trouxe a relação com os EUA para o centro e inaugurou uma fase inédita na história da política externa brasileira (PEB): um alinhamento movido pela ideologia de um governo, no caso, pela visão de mundo de Donald Trump. Bolsonaro, assim como o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente brasileiro - ‘olavistas’- , moveram a PEB para um ‘culto’ ao republicano, que perpassou o campo das ideias e refletiu-se num excesso de concessões e apoio aos EUA do lado brasileiro, mesmo com falta de reciprocidade do lado estadunidense.
Bolsonaro e Trump criaram um inimigo comum: a China. Ainda em campanha, o Presidente brasileiro adotou um discurso anti-China, e para irritar a grande potência, chegou a visitar Taiwan. Eduardo Bolsonaro, filho de Jair, replicou as acusações do republicano de que a China seria culpada pela atual crise pandémica e se utilizaria da tecnologia 5G para iniciar uma campanha global de espionagem. Os episódios causaram um mal-estar diplomático e ainda culminou no atraso na liberação de insumos chineses para a produção da vacina contra o coronavírus.
Para acompanhar as decisões do republicano, Bolsonaro ainda manifestou o desejo em transferir a embaixada brasileira de TelAviv para Jerusalém; votou contra a condenação e o fim do embargo dos Estados Unidos a Cuba na plenária da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas pela primeira vez na história; fez um acordo para que os EUA explorem o centro de lançamento de satélites de Alcântara, no Maranhão; e deu apoio formal ao ataque para executar o general do Irão Qassim Soleimani.
Também em busca do apoio estadunidense para entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a pedido Trump, o Brasil renunciou o status de tratamento especial na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em carta, os EUA apoiaram a entrada de Argentina e Romênia na OCDE e a situação só foi revertida devido à vitória de Alberto Fernández, um peronista de centro-esquerda, nas presidenciais argentinas. Enquanto o Brasil ampliou as quotas de importação e as isenções tributárias para a importação de etanol e trigo estadunidenses, Trump decidiu taxar em 25% o alumínio e 10% o aço do Brasil. E ainda na corrida pela Casa Branca, anunciou que cortaria em mais de 80% a importação do aço brasileiro, só recuando 20 dias depois do seu anúncio.
Apesar de turistas estadunidenses terem sido dispensados da exigência de visto para entrar em solo brasileiro, a reciprocidade não se aplicou. O Brasil ainda apoiou o trumpista Mauricio Claver-Carone para a Presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que seria brasileira pela rotatividade histórica do cargo. Mesmo os EUA designando o Brasil como aliado-extra da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), isso traduziu-se apenas na possibilidade de compra direta de equipamentos e tecnologia militar do mercado estadunidense e não na adesão brasileira à organização e ao pacto de defesa mútua.
Nas eleições presidenciais dos EUA, Bolsonaro sofreu um grande
golpe com a derrota de Donald Trump, apoiado publicamente
por ele e seu filho Eduardo, que inclusive fez campanha para o republicano nas
redes sociais. Joe Biden foi alvo de declarações afrontosas proferidas
pelo Presidente brasileiro.
O Presidente brasileiro demorou para reconhecer a vitória de Biden e seguiu o discurso de Trump de fraude nas eleições. Entretanto, no último dia 20 de janeiro, endereçou ao democrata uma carta congratulando-o pela vitória, reforçando a admiração pelos EUA e o desejo de manter a sólida e duradoura parceria. Recentemente, Biden recebeu um dossiê de atores internacionais e académicos para suspender e cancelar as negociações de acordos bilaterais com o Brasil. Preocupadas, as organizações representantes dos setores privados estadunidenses e brasileiros emitiram uma declaração conjunta pedindo para que os Estados mantivessem as boas relações. Vale ressaltar que os Chefes de Estado divergem em questões centrais, como o meio ambiente, além do globalismo, que Biden compromete-se a respeitar e aceitar as instituições internacionais e o multilateralismo, ao contráriodo que prega e segue Ernesto Araújo.
Numa perspetiva teórica, a relação Brasil-EUA pode ser vista no espetro realista. No âmbito nacional, Bolsonaro instrumentalizou a política externa para o efeito eleitoral, assim como Trump o fez, aproximando-se do conservadorismo global. Já no internacional, utilizou a ideologia como ferramenta para possíveis alcances de objetivos palpáveis e conversíveis, que com a aliança com os EUA, poderia ver crescer seu poderio militar, e subsequentemente, o poderio económico.
Conclui-se que, a relação Brasília-Washington no governo Bolsonaro durante o mandato de Trump deu-se de forma subserviente, revelando um Brasil a ceder por antecipação e escolha sob o argumento que estaria assim a promover o interesse nacional, mas que estava a projetar os interesses do governo Trump em detrimento dos setores económicos e da sociedade brasileira. Os EUA aplicaram os seus critérios normais, sem abrir exceções para favorecer o Brasil. O Brasil não só se isolou do mundo, como também em prol deste alinhamento, comprou brigas economicamente e politicamente inviáveis, inclusive afetando drasticamente sua relação com outros países considerados parceiros.
Para quem apostou tudo na reeleição do republicano, Bolsonaro precisa recalibrar sua ação e seu discurso para construir uma relação mais amistosa com o democrata. Biden já sinalizou que quer estreitar laços, porém frisou que não deixará de se manifestar sobre suas preocupações com direitos humanos e meio ambiente, assim como em qualquer tema que haja discordância. A Bolsonaro só resta: recuar, como já o fez algumas vezes, moderar sua ação política, remodelar os seus ministérios ou a retórica dos Ministros.
Fonte Imagem 1: Reuters
Fonte Imagem 2: Uol
Fonte Imagem 3: Diário Catarinense
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