Embora
Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, já tenha um longo histórico no
enfraquecimento das instituições democráticas, foi através do aproveitamento ilegítimo
da pandemia do Covid-19, que o seu desrespeito pela democracia chegou ao seu
expoente máximo, vivendo-se agora um forte clima de censura e desrespeito pelas
liberdades individuais. Em pleno contexto pandémico, o primeiro-ministro tem
aproveitado a ocasião para alargar os seus poderes políticos e acumular ainda
mais poderes executivos. Neste sentido, assistiu-se ainda à suspensão de eleições,
aprovando medidas legislativas que lhe concedem direito de governar até assim
entender, mesmo posteriormente ao Estado de Emergência. Contudo, o âmbito político
não é o único a ser prejudicado e limitado com as alterações constitucionais de
Orbán. Desde a proibição da utilização de redes sociais a indivíduos que tivessem um discurso não correspondente ao discurso defendido
pelo Estado e a proibição de adoção de crianças por casais do mesmo sexo,
é evidente que o objetivo de Orbán é fazer da Hungria um sistema autoritário, onde
a igualdade, a liberdade de expressão e a democracia representativa não passam
de uma realidade distante e utópica.
À
semelhança daquilo que Piotr Buras afirma,
representante da Varsóvia no ECFR (European Council on Foreign Relations), a
falha da democracia em vários países pode ser perigoso para a União Europeia e,
por essa razão, a própria organização está a atuar no sentido de levar o caso
dos abusos de poder de Orbán para instituições como o Tribunal de Justiça da
União Europeia e a Comissão Europeia, órgãos que detém uma certa capacidade,
ainda que pouca, de julgamento dos países que não cumpram normas fundamentais
da UE. Estes mesmos órgãos têm reunido forças para que exista uma luta e
limitação de tendências autoritárias, ainda que, devido a ser uma instituição
supranacional se encontrem extremamente limitados.
Esta
falta de atuação da União Europeia é apenas resultado de um dos princípios estabelecidos
pela própria organização internacional. No Tratado sobre o Funcionamento da EU –
artigo 5º,
está expresso o princípio das competências por atribuição, ou seja, a União
Europeia encontra-se limitada ás competências que cada Estado atribui à organização,
caso não lhe sejam atribuídas competência num certo âmbito, então a UE não tem
capacidade legislativa. Ainda que exista uma vontade de intervenção em relação ao
paradigma atual húngaro, a carência de transferências de poderes para as
instituições europeias impedem que a organização europeia tenha a capacidade de
atuação nestes casos, porque embora possam recorrer a entidade de justiça internacional,
tal como foi referido, ainda não é considerado suficiente para o impedimento
das ações de Viktor Orbán.
Nestes
casos de falta de competência nas áreas diretamente afetadas, a União Europeia
devia optar por aplicar sanções em âmbitos em que tem mais capacidades de
legislação, nomeadamente a área económica, já que existe uma relação direta
entre as finanças públicas dos Estados-membros e os órgãos constituintes da
União Europeia. Órgãos como a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia têm
poder orçamental sobre os próprios Estados, conseguindo assim ter uma
intervenção mais eficaz e sanções mais diretas no próprio processo de
orçamental ou na aprovação do mesmo.
Na
Hungria assiste-se a uma crescente transferência de poderes executivos para a figura
do Governo, sob pretexto do combate à crise pandémica do Covid-19, como é ilustrado
no cartoon “Ach…façam o que puderem...contra o coronavírus...”. O
governo húngaro tem plena noção de que existe uma falta de poder nas
instituições europeias para fazer frente ao crescente autoritarismo, podendo
apenas fazer uso da rule of law, um dos principais mecanismos
de defesa das liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
Já
é habitual assistir à ascensão de regimes autoritários principalmente em
momentos de crise, em que existe mais vulnerabilidade em relação a populismos, utilizados
para captar as massas descontentes com a atualidade vivida. Países que têm
fracas raízes democráticas, estão também mais suscetíveis ao eventual
detrimento dos valores e hábitos democráticos. O caso húngaro, ainda que pareça
uma situação pontual entre os 27 Estados-membros, pode vir a representar o início
de algo mais grave, encorajando outros países europeus a seguir esse mesmo caminho.
Vale a pena relembrar que nos primórdios da criação da União Europeia, uma das características fundamentais para a integração seria o nível de democratização do país candidato. Ou seja, neste preciso momento, caso a Hungria fosse um país candidato à integração da União Europeia, era altamente provável que não fosse aceite devido às atitudes e medidas pouco, ou nada, democráticas a que se tem assistido.
Fonte do cartoon: Voxeurop
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