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Autoritarismo de Orbán e a (não) intervenção da UE


MARTA PEREIRA apresenta a importância da intervenção das instituições europeias no combate ao crescimento do regime autoritário de Viktor Orbán, de modo a preservar um dos valores mais importantes da União Europeia, a Democracia.

A União Europeia é uma união económica e política entre 27 Estados-membros que tem estabelecido como um dos principais valores a Democracia, defendendo que o seu funcionamento deve basear-se na democracia representativa, onde a todos são conferidos direitos políticos. Na Hungria, desde a eleição de Viktor Orbán em 2010, que esse mesmo pilar fundamental é constantemente desconsiderado e posto em causa devido a alterações altamente prejudiciais para a manutenção de um regime democrático.

Embora Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, já tenha um longo histórico no enfraquecimento das instituições democráticas, foi através do aproveitamento ilegítimo da pandemia do Covid-19, que o seu desrespeito pela democracia chegou ao seu expoente máximo, vivendo-se agora um forte clima de censura e desrespeito pelas liberdades individuais. Em pleno contexto pandémico, o primeiro-ministro tem aproveitado a ocasião para alargar os seus poderes políticos e acumular ainda mais poderes executivos. Neste sentido, assistiu-se ainda à suspensão de eleições, aprovando medidas legislativas que lhe concedem direito de governar até assim entender, mesmo posteriormente ao Estado de Emergência. Contudo, o âmbito político não é o único a ser prejudicado e limitado com as alterações constitucionais de Orbán. Desde a proibição da utilização de redes sociais a indivíduos que tivessem um discurso não correspondente ao discurso defendido pelo Estado e a proibição de adoção de crianças por casais do mesmo sexo, é evidente que o objetivo de Orbán é fazer da Hungria um sistema autoritário, onde a igualdade, a liberdade de expressão e a democracia representativa não passam de uma realidade distante e utópica.

À semelhança daquilo que Piotr Buras afirma, representante da Varsóvia no ECFR (European Council on Foreign Relations), a falha da democracia em vários países pode ser perigoso para a União Europeia e, por essa razão, a própria organização está a atuar no sentido de levar o caso dos abusos de poder de Orbán para instituições como o Tribunal de Justiça da União Europeia e a Comissão Europeia, órgãos que detém uma certa capacidade, ainda que pouca, de julgamento dos países que não cumpram normas fundamentais da UE. Estes mesmos órgãos têm reunido forças para que exista uma luta e limitação de tendências autoritárias, ainda que, devido a ser uma instituição supranacional se encontrem extremamente limitados.

Esta falta de atuação da União Europeia é apenas resultado de um dos princípios estabelecidos pela própria organização internacional. No Tratado sobre o Funcionamento da EU – artigo 5º, está expresso o princípio das competências por atribuição, ou seja, a União Europeia encontra-se limitada ás competências que cada Estado atribui à organização, caso não lhe sejam atribuídas competência num certo âmbito, então a UE não tem capacidade legislativa. Ainda que exista uma vontade de intervenção em relação ao paradigma atual húngaro, a carência de transferências de poderes para as instituições europeias impedem que a organização europeia tenha a capacidade de atuação nestes casos, porque embora possam recorrer a entidade de justiça internacional, tal como foi referido, ainda não é considerado suficiente para o impedimento das ações de Viktor Orbán.

Nestes casos de falta de competência nas áreas diretamente afetadas, a União Europeia devia optar por aplicar sanções em âmbitos em que tem mais capacidades de legislação, nomeadamente a área económica, já que existe uma relação direta entre as finanças públicas dos Estados-membros e os órgãos constituintes da União Europeia. Órgãos como a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia têm poder orçamental sobre os próprios Estados, conseguindo assim ter uma intervenção mais eficaz e sanções mais diretas no próprio processo de orçamental ou na aprovação do mesmo.

Na Hungria assiste-se a uma crescente transferência de poderes executivos para a figura do Governo, sob pretexto do combate à crise pandémica do Covid-19, como é ilustrado no cartoon “Ach…façam o que puderem...contra o coronavírus...”. O governo húngaro tem plena noção de que existe uma falta de poder nas instituições europeias para fazer frente ao crescente autoritarismo, podendo apenas fazer uso da rule of law, um dos principais mecanismos de defesa das liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.

Já é habitual assistir à ascensão de regimes autoritários principalmente em momentos de crise, em que existe mais vulnerabilidade em relação a populismos, utilizados para captar as massas descontentes com a atualidade vivida. Países que têm fracas raízes democráticas, estão também mais suscetíveis ao eventual detrimento dos valores e hábitos democráticos. O caso húngaro, ainda que pareça uma situação pontual entre os 27 Estados-membros, pode vir a representar o início de algo mais grave, encorajando outros países europeus a seguir esse mesmo caminho.

Vale a pena relembrar que nos primórdios da criação da União Europeia, uma das características fundamentais para a integração seria o nível de democratização do país candidato. Ou seja, neste preciso momento, caso a Hungria fosse um país candidato à integração da União Europeia, era altamente provável que não fosse aceite devido às atitudes e medidas pouco, ou nada, democráticas a que se tem assistido.

A única maneira de facilitar o combate é a união e cooperação dos países europeus, tal como previa Robert Toulemon em La Construction Européenne (1994), quando afirmava que era fundamental unir os povos pacificamente e focar-nos num futuro de cooperação. Apenas desta forma é possível meter um travão á ascensão de autoritarismos que põem em causa a qualidade do futuro do projeto democrático. A premissa utilizada no passado, é agora essencial para o futuro e sucesso de uma União Europeia democrática.

Fonte do cartoon: Voxeurop

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