Henrique Coelho considera que a Administração de Joe Biden tem pela frente o desafio de lidar com aquela que é, até hoje, a guerra mais longa travada pelos Estados Unidos da América. Apesar de existir um acordo de paz assinado, o conflito pode estar longe de ter um fim.
O Afeganistão não é um país desconhecido para Joe Biden. O Presidente recentemente eleito foi, na qualidade de Presidente do Comité de Relações Internacionais do Senado norte-americano, o primeiro membro parlamentar dos EUA a visitar o país asiático. Em Janeiro de 2002, Joe Biden teve a oportunidade de visitar uma escola feminina, recentemente inaugurada, e construída com o apoio do governo norte-americano. Um símbolo de oposição ao regime imposto pelos Taliban, que relega a mulher para segundo plano, limitando-lhes o direito à educação. Assim, Biden terá sido um dos primeiros norte-americanos a sentir de perto uma das realidades que se manifestam quando os Taliban controlam o aparelho de Estado: a segregação feminina.
O acordo alcançado pelo anterior Presidente dos EUA, Donald Trump, embora bastante desejado no seio da sociedade norte-americana, arrisca-se a estar condenado ao fracasso. Tendo como objetivo uma redução da violência verificada no país e gradual renúncia dos Taliban à violência, bem como a retirada progressiva das forças norte-americanas seus aliados presentes no território afegão, o que se tem vindo a demonstrar é precisamente o contrário. A onda de violência vivida no Afeganistão ampliou-se, e, com as constantes perseguições e ataques a figuras e instituições ligadas ao governo afegão, faz sentido que as dúvidas quanto ao sucesso efetivo do acordo aumentem. Sendo certo que a violência contra as forças militares estrangeiras parece ter cessado, é também claro que as negociações entre os Taliban e o governo afegão estagnaram. O acordo em matérias cruciais para o futuro do país parece ser impossível: as duas partes diferem em questões de Direitos Humanos, bem como na estrutura político-administrativa que deve vigorar no país. Enquanto o governo afegão, em linha com os parceiros do ocidente, pretende um sistema democrático parlamentar, os Taliban desejam manter a lei da Sharia, conforme vigora nos territórios dominados pelo grupo fundamentalista islâmico. Por isso, não é por acaso que, recentemente, figuras ligadas à Administração Biden afirmaram o desejo do atual governo em rever o acordo assinado entre os EUA e os Taliban.
Não obstante, e apesar de serem notórios os sinais de aproximação e cooperação dados entre Biden e o governo afegão, a realidade é que a Administração Biden tem pela frente um enorme desafio interno relativamente à guerra no Afeganistão. O conflito dura há quase 20 anos e o descontentamento dos norte-americanos aumenta a cada ano que se prolonga a presença das suas forças militares numa guerra que parece não ter fim. Dessa vontade cada vez mais generalizada dentro do país, e na ânsia de alcançar uma resolução da situação norte-americana em ano de eleições presidenciais, talvez se explique o acordo realizado pela Administração de Donald Trump. Um acordo que certamente resolve o problema da presença militar norte-americana, e seus aliados, no Afeganistão, mas que levanta inúmeras questões para o país asiático e, possivelmente, para o resto do mundo.
Retirar, em maio de 2021, as forças militares destacadas no Afeganistão, tal como acordado em Doha, pode ser sinónimo da aceitação do fracasso que foi a invasão desse país e da derrota militar contra o grupo terrorista. No entanto, este momento pode mesmo ser considerado como a altura ideal para retirar. Desde que os Estados Unidos assinaram o acordo com os Taliban, é notório o avanço das forças terroristas no Afeganistão, sendo que, no caso de uma inversão na decisão dos EUA, seria necessário aumentar a presença militar que atualmente conta com 2500 homens e mulheres. Ou seja, poderá ser um preço a pagar demasiado elevado para uma Administração recentemente eleita e que pretende governar um país altamente dividido e em clima de profunda hostilidade.
Joe Biden não tem sido, ao longo da sua vida política, um
grande entusiasta em relação à presença
norte-americana no Afeganistão. No entanto, o papel de Presidente dos
Estados Unidos da América pode suscitar alterações na forma como o presidente
recentemente eleito olha para o conflito. Os EUA encontram-se num imbróglio
político e militar e a decisão de sair ou não sair acarreta várias
consequências. Retirar as tropas estacionadas no Afeganistão significará uma bastante
provável
guerra civil, e que, tendo em conta as notícias de confrontos recentes, terá
como resultado previsível a vitória dos Taliban. Para além das consequências catastróficas
para as populações locais, e principalmente para as mulheres afegãs, a retirada
significa que os EUA passaram os últimos 20 anos a combater em vão um inimigo com
fortes
ligações àqueles que infligiram o maior ataque
dentro de fronteiras norte-americanas depois de Pearl Harbour, em 1941. A
retirada é um sinal da espiral de declínio em que os EUA se encontram e a
aceitação de que os norte-americanos estão, lentamente, a abdicar do seu papel
de polícias do mundo e a dar espaço para que outros atores assumam a sua
posição. A hipotética derrota do governo afegão que poderá resultar da retirada
norte-americana será, também, uma estrondosa derrota para todos os países do
chamado “mundo livre”, caso os EUA e seus aliados decidam abandonar o
Afeganistão em maio de 2021.
Fonte da imagem: CBS News
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