Durante a 2ª Guerra Mundial, o mundo assistiu a uma perseguição a judeus e outras minorias no centro da Europa, e daqui resultou a morte de 6 milhões de judeus. Foram criados Campos de Concentração, para onde estes judeus eram levados e onde ficavam a viver, sem qualquer dignidade humana até, na sua maioria, acabarem por ser mortos. É, inquestionavelmente, um dos momentos mais negros e desprezíveis da história da humanidade. Acabada a Guerra e estabelecida a paz, o mundo parecia ter retido a lição – o horror tinha terminado, e não se podia repetir.
No
entanto, já no século XIX o filósofo Friedrich Hegel avisara – “A história
repete-se, pelo menos, duas vezes”.
O que está
a acontecer na China, desde 2017, é a repetição de uma história que a
humanidade não podia deixar que se repetisse. A comunidade Uigur, uma divisão
da religião muçulmana, está a ser perseguida pela polícia chinesa, naquilo que o
Governo Comunista Chinês intitula de uma “missão de combate ao terrorismo”.
Esta justificação prende-se, inegavelmente, com uma islamofobia da parte do
governo chinês, que imediatamente associa o islamismo ao terrorismo e a práticas
terroristas. Sob este pretexto, os cidadãos uigures são detidos e encaminhados
para campos de “reeducação” - onde se tenta convencer estes cidadãos de que a
sua religião e os seus pensamentos são impuros, e que por isso se devem
converter à religião e à cultura chinesa. Os detidos nestes campos têm aulas
para aprender a legislação do país, para apreenderem a cultura e a religião, e
para abandonarem as suas crenças islâmicas – ou, pelo menos, esta é a imagem
que os próprios campos tentam passar.
Há já
vários relatos de pessoas que passaram por alguns destes campos de reeducação e que relatam a realidade
do seu interior. Relatos de tortura, opressão, violência, e violações, refletem
um total desrespeito e violação dos direitos humanos. Sobre este problema, o
Observatório de Direitos Humanos (Human Rights Watch) alertou no seu relatório mundial de 2020 que os Estados se devem unir no
combate à ameaça da China aos direitos humanos.
Partir do
princípio que ser uigur, ou muçulmano no geral, é ser terrorista ou perfilhar
ideais terroristas, já é um erro incompreensível. Assumir que o governo tem
autoridade para deter estes cidadãos e encarregar-se de os reeducar de acordo
com os seus próprios valores, igualmente errático é. Quando uma Organização que
diz servir para proteger os direitos humanos assiste e colabora até com o país
que os viola diariamente, toda a questão ganha uma dimensão impensável.
Por todos
os motivos enumerados, torna-se – ou devia tornar-se – evidente que é urgente uma
intervenção e cooperação externa, que reitere o respeito pelas liberdades e
direitos humanos no território chinês.
Foi exatamente
com este propósito que vários países fundaram a Organização das Nações Unidas
(doravante designada ONU) em 1945 – para manter a paz e para proteger os
direitos humanos. A organização é composta atualmente por 193 países, e a sua missão contempla, entre outros, a
proteção dos direitos humanos, e onde se referem a este conjunto de direitos
como “princípio orientador da Organização”.
Ora, entre
os 193 estados-membros da ONU encontra-se, precisamente, a China.
Invocando
a própria ONU a proteção dos direitos humanos como um dos seus propósitos, como
é possível que esta não tome uma atitude face ao comportamento de um dos seus
estados-membros, que diariamente os viola? Como é possível que não exista uma
urgência em resolver este problema?
Seria de
esperar que a Organização se mostrasse disponível para atuar prontamente sobre
o problema. Todos os Estados estão conscientes do que aconteceu a milhões de
judeus na Europa no século XX, e todos os Estados têm a obrigação de levar a
cabo a defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais, para que o
passado não se repita. Sendo a ONU a representação máxima destes Estados na
defesa pelos direitos humanos, é incompreensível que esta pouco se manifeste
sobre este assunto e que nada faça, continuando até a trabalhar e cooperar com
a China nas demais áreas e vertentes.
No entanto, é essencial referir que uma intervenção da Organização neste âmbito depende inteiramente do seu Conselho de Segurança, cujos membros permanentes são os Estados Unidos da América, a Rússia, França, Reino Unido e a própria China. Esta composição pode, naturalmente, comprometer a a atuação da Organização na China, podendo até esta estar a ser utilizada como um instrumento pelos seus membros permanentes, que podem influenciar toda a sua atuação. Além disto, a China tem relações comerciais e diplomáticas com os restantes membros permanentes deste Conselho de Segurança. Por todos estes motivos, torna-se bastante difícil que o Conselho decida avançar neste sentido.
Resta então saber se, nesta guerra de conflitos de interesses, ganharão os direitos humanos e o respeito pela vida humana, ou as relações comerciais e os acordos entre os países em causa. Para já, a resposta não parece a mais satisfatória.
Para uma
maior perceção do funcionamento dos campos de reeducação onde os Uigures são alocados, podem consultar este vídeo.
Fonte da imagem: https://www.breitbart.com/national-security/2020/07/17/uyghur-capital-becomes-chinas-latest-coronavirus-hotspot/
Comentários
Enviar um comentário