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Canadá e Dinamarca: a guerra do whisky

 


ANA RITA GONÇALVES explica como o Canadá e a Dinamarca lidaram com a disputa da Ilha de Hans, no estreito de Nares, de modo a que a sua relação não fosse afetada.

   Desde 1928 que o Canadá e a Dinamarca partilham uma relação bilateral, pois, ambos enquadram a NATO  e o Conselho do Ártico. A relação partilhada pelos dois países defende soluções multilaterais  para diversas questões internacionais, de entre as quais se destacam a consolidação da paz e segurança internacionais, resolução de conflitos e, ainda, a melhoria das condições de vida e bem-estar socioeconómico da comunidade internacional.
    Estes estados partilham diversos setores, sendo o setor económico, um deles. Ora, tanto a economia canadiana como a dinamarquesa dependem da inovação e, consequentemente, de setores que exigem saberes intensivos. Em 2018, as exportações do Canadá para a Dinamarca atingiram os 370 milhões de dólares ao passo que, as importações que a Dinamarca realizou ao Canadá resultaram em 1483 milhares de milhões de dólares. Deste modo, é possível afirmar que a Dinamarca é um dos principais parceiros económicos do Canadá. 
  O Canadá e a Dinamarca partilham diversos acordos e tratados sobre os mais variados temas: imigração (1949), impostos (1956), cooperação na defesa e segurança (1969), proteção da vida marinha (1983), entre outros. No entanto, um ponto em que estes não conseguem chegar a um consenso é a Ilha de Hans, no estreito de Nares- entre a fronteira do Canadá com a Gronelândia. Tanto o Canadá como a Dinamarca reclamam soberania sobre o território. Enquanto a Dinamarca defende que a ilha faz parte do seu território por ser descoberta com a Gronelândia, o Canadá argumenta que a ilha faz parte do seu espaço, pois, a Dinamarca falhou em acertar a sua soberania sobre o espaço- no fundo, o Canadá invoca a doutrina da ocupação.  Neste contexto, tanto os cartógrafos dinamarqueses como os canadianos ilustram a ilha de Hans como componente dos respetivos territórios.
   A primeira disputa por Hans foi em 1933, quando o Tribunal Permanente da Justiça Internacional declarou que a Gronelândia pertencia à Dinamarca. Em 1973, durante um tratado que visava estabelecer os limites da plataforma continental que separa o Canadá da Gronelândia, a questão da ilha de Hans toma uma nova relevância: se a ilha se encontra no estreito de Nares, entre os dois Estados, a quem é que esta pertence? 
    Atualmente, a disputa pela ilha de Hans persiste e, é comummente denominada de guerra do whisky, pois, ambas as potências deixam uma garrafa de whisky na ilha com a bandeira nacional. Este conflito ganhou tração em 1984, quando Tom Høyem- Ministro dinamarquês na Gronelândia- ergueu a primeira bandeira dinamarquesa na ilha. Como resposta, uma semana depois, militares canadianos substituíram a bandeira da Dinamarca por uma canadiana, tal como, deixaram uma garrafa de whisky. Tal acontecimento repetiu-se em 1988, 1995, 2002, 2003 e 2004- tendo sido interrompido em 2005, pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros de ambos os estados, com o propósito de encontrar uma solução pacífica. Este pequeno conflito tornou-se relevante a nível internacional, pois, ambos os Estados adotaram uma postura humorística, como um diplomata dinamarquês observou: “When Danish military go there, they leave a bottle of schnapps. And when [Canadian] military forces come there, they leave a bottle of Canadian Club and a sign saying, 'Welcome to Canada.' ”. Neste contexto, é importante ter em conta a relevância das políticas nacionais, pois, esta disputa pouco ou nada afeta os limites territoriais, ou marítimos destes Estados. Por isso, deveria ser fácil resolver esta questão. Alguns autores defendem que a melhor solução seria declarar a Ilha de Hans um conduminium, isto é, a soberania da ilha seria dividida pelos dois Estados. 
    Todavia, independentemente da solução escolhida, é importante incluir os Inuits- indígenas da Gronelândia-, pois, estes podem reclamar a soberania da ilha visto que é considerada uma terra ancestral
    Deste modo, a forma como o Canadá e a Dinamarca lidam com a disputa em torno da Ilha de Hans pode ser explicada pela teoria liberal das Relações Internacionais. Esta teoria defende que as características intrínsecas de um Estado são de extrema importância para compreender o seu comportamento no palco internacional. Ora, tanto o Canadá e a Dinamarca são Estados que, a nível internacional, privilegiam a sua posição como potências defensoras da paz e da burocracia, por isso, é natural que estas demonstrem, na sua relação, que a consideração e respeito mútuo são os melhores instrumentos no que diz respeito à negociação em situações de conflito. 
   Hoje, a Ilha de Hans é o único limite territorial em disputa no Ártico, sendo que todos as outras altercações são em torno de limites marítimos.  Por fim, é importante refletir em como o conflito em torno da Ilha de Hans é um exemplo para a disputa de fronteiras internacionais, uma vez que, reflete que a melhor forma de atingir resultados é através da via diplomática e do respeito mútuo- apesar de ainda não existirem soluções palpáveis. Consequentemente, também demonstra que a via militar, muita das vezes, só diminui a possibilidade de chegar a um consenso.

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