MARIANA POUPINHA argumenta que o
acordo entre a União Europeia e a China, apesar de trazer benefícios económicos,
se aprovado pelo Parlamento Europeu poderá pôr em causa a reputação da UE.
A União Europeia e a República
Popular da China há anos que tentam estabelecer um acordo que contribua para o
desenvolvimento da cooperação. Após longos anos, as negociações parecem ter
chegado ao fim. Será? Com este acordo surgiram várias críticas por parte de
atores europeus, que afirmam que esta coligação é perigosa devido à
incompatibilidade de ideologias.
Um dos casos que leva à desaprovação deste acordo, foi a quebra do acordo de 50 anos, estabelecido entre a China e Hong Kong. A este último, foi atribuído o título de Região Administrativa Especial, no ano de 1997, após décadas de negociações entre o Reino Unido e a República Popular da China. Este título dava a Hong Kong a possibilidade de autonomia, em relação ao governo de Pequim, regendo-se pelo “Basic Law”, documento entregue pelos britânicos, que se baseia no conceito “one country, two systems” e que possibilita a Hong Kong manter uma economia capitalista e maioria da autonomia governativa. O que se tem verificado nos últimos anos, é que Pequim quer antecipar a submissão total de Hong Kong, que estaria prevista para 2047. Um dos primeiros atos que indicou essa vontade, foi a proposta de Lei de Extradição, no verão de 2019, que se retificada dava a aprovação “for criminal suspects to be extradited to mainland China under certain circumstances”. Apesar de esta não ter tido efeito, em 2020 foi aprovada a Lei de Segurança, que tem por base os mesmos princípios da primeira.
Podemos observar que a União Europeia tem sido bastante tímida, no que toca a responder a estes últimos acontecimentos. Apesar de publicamente desaprovar as ações do governo de Pequim por violarem os direitos e liberdades do povo de Hong Kong, até agora os europeus têm encontrado dificuldades em articular uma resposta. Ainda assim, a União Europeia avançou com medidas de apoio à população, que visam facilitar a entrada de cidadãos que procurem um futuro em qualquer um dos estados-membros. Contudo, é de frisar que em nenhum momento foram estabelecidos ou mencionados quaisquer tipos de sanções, por parte da EU, para com governo chinês. Além disso, apesar de estes últimos anos terem sido conturbados, “none of these things have fundamentally altered Europe-China business relations”.
Aliás como foi referido logo de início, prevê-se que as relações entre a União Europeia e a China fortaleçam com o novo acordo “Comprehensive Agreement on Investment”. Após 7 longos anos, concluíram-se em dezembro de 2020 as negociações para este novo acordo. Para os chineses, era necessário que estas negociações terminassem em 2020. Um dos principais motivos, foi a necessidade de as negociações serem fechadas ainda com a presidência alemã no Conselho Europeu, na presença da Chanceler Angela Merkel, que os chineses consideram como uma personagem pragmática e “pro-bussiness approach”. Assim terminado em 2020, não seria necessário ter de arrastar este processo para a presidência portuguesa e eslovaca (2021). O segundo motivo, e talvez o principal, têm haver com a presidência americana, pois Joe Biden referiu várias vezes a vontade de reconstruir a relação dos Estados Unidos com a União Europeia, “including to jointly address the “China threat”. Assim na formulação final do acordo, a China conseguiu evitar os avanços da nova administração americana.
Neste momento, o maior obstáculo à aprovação do Comprehensive Agreement on Investment é o próprio Parlamento Europeu, que tem a aprovação final. Isto porque, várias vozes projetaram a sua preocupação com o acordo não só a nível geopolítico, devido aos laços transatlânticos, como com a associação a um país que levou a cabo vários abusos dos direitos humanos. Esta última preocupação é das mais relevantes, pois a União Europeia tem como base proteger a democracia e os direitos humanos, sendo que “The EU and China are “two parties with opposing ideologies”, e cabe a esta entidade relacionar-se apenas com aqueles que partilham dos mesmos valores. Para demonstrar o seu descontentamento, 36 organizações civis numa carta aberta, dirigida aos membros do Parlamento Europeu, a Ursula von der Leyen e ao Presidente Charles Michel, avisam que o conteúdo do acordo no formato em que se encontra, poderá demonstrar que a União Europeia irá seguir em frente com a cooperação com China, descartando as acusações da violação dos direitos humanos que esta última enfrenta. Além disso, esta carta também refere algumas opções como adicionar uma cláusula sobre o cumprimento dos direitos humanos e abster-se do acordo até que a China “ratifies core human rights conventions like the International Covenant on Civil and Political Rights and International Labor Organization conventions on forced labor and the right to organize”.
Dentro das teorias estudadas em aula, podemos reparar que o impasse que aqui foi descrito insere-se na teoria clássica do Realismo. Nesta teoria, as relações internacionais estão enquadradas num cenário anárquico, onde existe a desigualdade de poder na estrutura do sistema internacional, à vista disso os estados vivem em luta constante pelo poder. Neste caso específico estes dois atores (EU e China) podem eventualmente entrar em conflito devido às diferenças ideológicas que detêm.
Em suma, quando avaliamos a posição que a União Europeia pretende ter no espaço internacional como protetora dos Direitos Humanos e da Democracia, é difícil entender a urgência deste acordo com a República Popular da China. Se este for em frente sem qualquer cláusula que proteja os direitos e liberdades a União Europeia vai pôr em risco a sua posição no cenário internacional.
Fonte de Imagem: https://cartoonmovement.com/cartoon/eu-china-and-hong-kong
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