CAROLINA MARINHEIRO refere que costuma usar-se na gíria popular a expressão “Dar a César o que é de César”, como uma forma de dizer ‘devolver a alguém o que é seu por direito’. No entanto, defende que o que está a acontecer na Crimeia é exatamente o contrário.
A questão
“a quem pertence a Crimeia?” é um debate que já vai longo na discussão
internacional, apesar de a resposta parecer simples. A Crimeia é uma península
no sul do território Ucraniano, e é considerada uma República Autónoma
(República Autónoma da Crimeia). Durante parte do século XX fez, tal como a
própria Ucrânia, parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(doravante denominada de URSS), e em 1954 foi declarada como território ucraniano pelo então líder da URSS.
No
entanto, apesar de ser, desde a década de 50 do século XX, um território
oficial da Ucrânia (até porque a própria península é uma extensão do território
nacional ucraniano), a proximidade com o território russo fez com que a grande
maioria da população residente adotasse a cultura russa em todas as suas vertentes,
desprezando a cultura ucraniana – a sua cultura nacional. Neste sentido, a Rússia realizou em 2014 um referendo na região e, tendo obtido resultados que lhe eram favoráveis, anexou a Crimeia.
Assim, o debate expande-se para uma outra questão – a Crimeia deve ser parte da
Ucrânia, por ser um território seu, ou parte da Rússia, por ser a cultura
dominante?
A resposta
pode, uma vez mais, parecer simples. Mas como em qualquer assunto de política
externa, a balança está sempre carregada com vários pesos e contrapesos.
A
insistência da Rússia em querer apoderar-se do território da Crimeia vai além
de uma simpatia pela cultura dos residentes da península. Como se pode ver na
imagem seguinte, a Crimeia é um território bastante vantajoso
em termos geopolíticos. Está situada no Mar Negro e é, portanto, a principal
entrada e saída para este mar, bem como a origem do canal de ligação entre o
Mar Negro e o Mar de Azov. O Mar Negro é o único mar de águas quentes no local,
pelo que seria bastante vantajoso para a Rússia em termos comerciais e em
termos militares. Sabendo que os objetivos russos passam por se manter como uma das maiores potencias mundiais, este território
traria uma grande vantagem para o país.
Por outro lado, é preciso pesar os fatores que influenciam a posição da Ucrânia na guerra com a Rússia. Neste caso, não vamos ponderar as vantagens de um país possuir um território que, no fundo, é seu. Vamos sim pesar os efeitos de partilhar fronteiras com um dos países mais fortes no contexto internacional, produtor de armas nucleares em larga escala, com uma liderança autoritária, com um forte corpo militar e que, além de tudo isto, é a fonte de gás natural da Ucrânia. Estes fatores fazem com que, por vezes, a Ucrânia subjugue as suas vontades à vontade russa, como aconteceu em 2014.
Por toda a Ucrânia é possível sentir a divisão da população entre apoiantes das relações com a União Europeia, e apoiantes das relações com a Rússia. Desta divisão resultaram já guerras civis, principalmente nos territórios onde há maior proximidade com o território russo, tal como aconteceu na Crimeia e, mais tarde, em Donbass. A parte da população ucraniana que privilegia as relações com a União Europeia, por verem nesta organização uma aproximação aos valores que os próprios defendem, esperam que surja daqui algum tipo de apoio e defesa dos seus interesses e, neste sentido, a União Europeia tem desenvolvido um trabalho notável e que não deverá desiludir o povo ucraniano, já que constantemente aplica sanções à Rússia por estas invasões, mesmo perante as suas ameaças de cortar relações com a organização.
A
insistência russa em expandir o seu território, para fazer cumprir o seu
objetivo primordial de serem a maior potência mundial, ultrapassa fronteiras e
desrespeita quaisquer limites territoriais, sob a desculpa da questão
“cultural”. Não é aceitável que forças militares se instalem noutro país,
iniciando guerras e ocupando territórios que não são seus, ou que façam
chantagens comerciais (o que nos remete, de novo, para 2014,
quando da rejeição do acordo entre a Ucrânia e a União Europeia resultou um
pagamento dos russos ao país vizinho de milhões de euros em gás natural) de
modo a alcançarem os seus objetivos.
A quem
pertence a Crimeia? A resposta pode realmente parecer simples, porque de facto
o é. O território pertence à Ucrânia e, portanto, deve voltar a ser considerado
como um terreno ucraniano. É essencial que a comunidade internacional se
imponha contra a Rússia e o seu desrespeito pela ordem internacional, fazendo
prevalecer as fronteiras estabelecidas desde o pós 2ª Guerra Mundial, e respeitando as liberdades e direitos de cada
país.
Dar a
César o que é de César, sim. Dar à Rússia o que é da Ucrânia, não.
Para quem quiser esclarecer-se mais sobre este tema, pode consultar este artigo e este vídeo.
Fonte da imagem: https://www.defesaaereanaval.com.br/naval/a-crimeia-e-o-poder
Fonte do mapa: https://pt.dreamstime.com/ilustra%C3%A7%C3%A3o-stock-mapa-pol%C3%ADtico-da-regi%C3%A3o-do-mar-negro-e-do-mar-c%C3%A1spio-image94901028
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