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Bloco de Titãs à beira do consenso. Ou permanecerá o impasse?

 

 ANDRÉ PEREIRA salienta as duas décadas de negociações entre a União Europeia e o Mercosul, com o objetivo de edificar um acordo comercial. Quando o panorama internacional aponta para uma convergência, não será este, ainda um espaço, onde Judas perdeu as botas?


A presente análise de política externa, visa, à luz da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, e partindo principalmente do flanco europeu, esmiuçar o pilar comercial de acordo de associação entre a União Europeia e a Mercosul. Esta análise, abordará uma introdução, em jeito de contexto histórico, um breve balanço sobre a situação atual, assim como, diversos elementos comparativos, os pontos de vista das partes interessadas, as hipotéticas alterações que o acordo proporcionaria e um preceito postumeiro, que remeto aos leitores, de insegurança e suspicácia, no âmbito do encetamento das negociações finais, para implementação do pacto comercial.

A 28 de Junho de 2019, cirurgicamente duas décadas depois, dos Chefes de Estado da União Europeia (doravante UE) e dos quatro países fundadores da Mercosul acordarem conversações, tendo em consideração um acordo de associação, os intervenientes na discussão atingiram um acordo de princípio incisivo, perante o pilar comercial.

 Este acordo, almeja a liberalização progressiva do comércio de bens e serviços e a abertura dos mercados de contratos públicos das partes envolvidas. Este cenário, configura um outro acordo de comércio livre (ACL), que integra um mais vasto acordo de associação, que engloba um pilar do diálogo político e um pilar de cooperação, ultimado em Junho de 2018.

 Importa frisar, que o referido acordo de associação, seria um empreendimento vultoso para a política de longa data da UE, que consiste em procurar efetivar, acertos birregionais ambiciosos com as organizações locais da América Latina, como o Mercosul, o maior bloco comercial da região, com um PIB combinado de 2,4 biliões de dólares. 

Sucintamente, devido a dificuldades de coesão regional, a múltiplas crises económicas e a uma panóplia de mudanças políticas que enfraqueceram a dinâmica de integração, considero que o ACL, promoverá na Mercosul, uma oportunidade única de revitalizar a convergência interna, enraizar as suas economias em cadeias de valor mundial, e suportar juntamente com a UE, o sistema comercial multilateral, baseado numa legislação clara e inequívoca, visto que os tempos de crescente nacionalismo económico e unilateralismo em relações de força imperam. Todavia, a ratificação do acordo, está ainda presa, em detalhes ambientais, em prerrogativas das alterações climáticas, nos direitos dos povos indígenas e no futuro dos agricultores da UE e da sua segurança alimentar.

 O potencial exploratório que este acordo comercial acarreta é tremendo. De acordo com os números fornecidos pela Comissão Europeia, o atual comércio bilateral entre estes dois blocos, ascende a 34 mil milhões de euros. As exportações da UE para o Mercosul rondam os 45 mil milhões de euros por ano, importando nesse mercado, um fluxo pecuniário praticamente idêntico. Perfaço, deste modo, que as empresas da UE irão beneficiar de um acesso privilegiado a um mercado de mais de 260 milhões de consumidores. Partindo da perspetiva europeia, que inicialmente sublinhei, está mais do que na hora, de reduzir os direitos aduaneiros, que a longo prazo, promovem um fecho de finanças empresariais superiores a 4 mil milhões de euros. O acordo ,também expressa um capítulo complexo de segurança, de bem estar-animal e de fitossanidade, defendendo ininterruptamente, o princípio da precaução. 

Noutro prisma de fatores, sobressaem as proteções do ambiente e das condições de trabalho, alocadas num novo e renovado fórum, para dele, emanarem abordagens mais sustentáveis. As empresas da UE, poderão candidatar-se a contratos com organismos públicos, o que na minha modesta conceção, tornará o processo de adjudicação mais responsivo e fiscalizável, visto que se procederão a anúncios de concurso para a contratação. Outro dos pontos cruciais deste acordo comercial, poderá ser o imprimir da proteção dos direitos de propriedade intelectual, e dos respetivos segredos comerciais. Só assim, num panorama de proximidade internacional, consegue-se expandir a inovação e  conquistar a criatividade inevitável para garantir a competitividade das indústrias. As partes interessadas, observam nestes pressupostos, de eventuais mutações, as condições primordiais para a ratificação do pacto comercial.

Não obstante, pergunto-me. Será este um acordo comercial que protege as pequenas e as médias empresas, ou apenas favorece o grande capital? Estarão salvaguardadas medidas bilaterais, para a imposição de normas e mecanismos temporários, caso uma conjuntura inesperada alavanque? Estará a transparência, num cômputo geral, assegurada? Existe um conjunto de questões, que daria pano para mangas, e que provavelmente ainda não exibem uma resposta objetiva e assertiva.

 Com efeito, aquilo que me apraz transmitir, é que este acordo comercial necessita de compreender o seu máximo expoente: o envolvimento da sociedade civil. Uma política externa, só terá o “P” maiúsculo, caso se entenda o significado do “P” - Pessoas. E para mim, despegando-me dos chavões ideológicos e dos clichés teóricos, é aqui que está latente, o diferenciador com autoridade desta reflexão. Porque foi a pensar nas comunidades e nas pessoas, que a edificação deste contrato comercial está em curso. Porque fomentou-se as normas sociais, os discursos e os entendimentos dos interesses das populações, as suas dificuldades e os seus anseios. Os blocos comerciais em causa, enquanto atores internacionais, percecionaram que momentos distintos, exigem pensamentos discordantes. É caso para se afirmar, que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, e consequentemente, os entendimentos gerados, serão discrepantes, mas simultaneamente raciocinados. 

Assim sendo, concluo, que face às inúmeras transformações neste contrato comercial, aos olhos das negociações e da lógica da melhoria da qualidade de vida das populações, transferida para os discursos que suportavam os argumentos de ambos os blocos, a teoria que explica esta multilateralidade, assenta no construtivismo social. Fundamenta-se, por força das realidades começarem a ser construídas com esse alicerce social, devido à base da negociação conter os interesses de cada bloco e pelo efeito da interdependência mútua vivida nesta transação.

Finalizando com a ideia presente no título, e na nota preambular que exprimi, sob a forma de interpelação e interrogação, este acordo comercial não prevê medidas sustentáveis para o meio ambiente, não solidifica plataformas de transparência, de sanção e de inclusão das comunidades locais,  daquelas povoações esquecidas no interior dos ordenamentos jurídicos, e não das grandes metrópoles, desrespeitando várias circunscrições da agenda politica internacional contemporânea.

A verdade, é que também não me admiro em nada, que este degrau de diálogo entre os blocos e este patamar de conversações, seja ainda, um espaço onde Judas perdeu as botas. Um lugar distante, entenda-se.

 



Fonte do Cartoon - Autoria Própria

 

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