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EUA e China: A necessidade de uma conduta ética no uso da Inteligência Artificial

 

RAFAELA MONTEIRO destaca o atual conflito tecnológico, entre os Estados Unidos da América (EUA) e a China, que se vem juntar ao enorme leque de hostilidades que sempre envolveu estes dois países. Entre a tecnologia e a força militar, está em cima da mesa um duelo pela hegemonia global.

A 15 de janeiro de 2020, os EUA e a China, assinaram a 1ª fase de um acordo que encerrou um capítulo de guerra comercial que combatiam desde 2018. Porém, a pandemia do Covid-19 trouxe ao de cima as tensões que tinham sido empurradas para debaixo do tapete. Agora, a competição recai sobre o domínio da tecnologia visto que é esta quem ditará a hegemonia mundial no séc. XXI. A Inteligência Artificial (IA) tem vindo a transformar as nossas vidas e o seu avanço e  consolidação têm, como qualquer avanço tecnológico, impactos sociais, econômicos, políticos e culturais. Todavia, apesar destas duas nações serem interdependentes sobre a matéria da tecnologia, a verdade é que ambas ambicionam a liderança na investigação e utilização de Inteligência Artificial (IA).

No que diz respeito à China, esta tornou claras as suas intenções em julho de 2017, quando o governo chinês divulgou um plano de desenvolvimento, no New Generation of Artificial Intelligence Development Plan, StateCouncil Document, onde demonstrou a sua vontade de criar uma infraestrutura avançada de IA de forma a que o país se tornasse líder mundial neste campo até 2030. Já com o decorrer da guerra comercial o governo chinês sentiu necessidade de reduzir a sua dependência de tecnologias estrangeiras e a China deixou de ser apenas o país que monta produtos eletrónicos de baixo custo, com componentes feitos noutros países e afirmou-se em pé de igualdade com os EUA. Na China, a Inteligência Artificial é vista como um elemento relevante na tomada de decisões militares, com base em informação, como localizações precisas via GPS de unidades nacionais e relatórios relativos a drones e satélites de forças adversárias.

Quanto aos Estados Unidos da América, foi sempre este quem teve vantagem na inteligência artificial. Ainda na administração de Barack Obama, em 2016, foram divulgados três relatórios sobre a preparação para um futuro de mãos dadas com a IA, estabelecendo um plano estratégico nacional. Se avançarmos no tempo, em agosto de 2020, o governo americano anunciou a liberação de US$ 1 bilhão em financiamentos para garantir que os "EUA continuem a liderar o mundo em inteligência artificial e computação quântica", segundo o diretor de tecnologia dos EUA, Michael Kratsios.

Posto isto, é notório que a China começa a fazer concorrência aos EUA em matéria de IA. Se tivermos em atenção à atuais grandes empresas de IA: Google, Microsoft, Amazon, Facebook, Tencent, Alibaba e Baidu, apercebemo-nos que quatro delas são americanas, sendo que as restantes são já chinesas, porém, aspeto este é surpreendente face ao inicial avanço tecnológico dos americanos. Ora, a verdade é que o avanço tecnológico trata-se de uma estratégia fundamental para estes países dado que, na formação do moderno sistema internacional o desenvolvimento deste campo é um dos fatores mais importantes. Vejamos, Kennedy no seu livro “The rise and falls of the grat powers”, defende que a força das potências mundiais nunca permanece constante devido, sobretudo, aos diferentes avanços tecnológicos e organizacionais entre os países que dá mais vantagens a certas sociedades quando comparadas a outras. Ora, a história do desenvolvimento tecnológico e das relações internacionais possui notáveis mudanças, eventos e fatores, numa relação constante de continuidade e de rutura que as teorias clássicas das Relações Internacionais tentam explorar. Neste caso, o poder é o principal componente do qual deriva toda a ação política em redor do avanço da Inteligência Artificial. Esta ideia serve de base à Teoria Realista porque, para além da busca pelo poder, está em causa a preocupação da segurança nacional. Prova disto está no facto dos EUA e da China quererem explorar a potencialidade da IA com a corrida ao armamento quântico que promete transformar a guerra. Neste sentido, e face à existência de uma anarquia internacional, os Estados visam garantir a defesa e segurança nacional, equipando as respetivas forças militares da melhor tecnologia.

Contudo, face aos inúmeros cenários possíveis no desenvolvimento da Inteligência Artificial no equipamento bélico e das implicações na organização do poder global, é fundamental que o rigor analítico e a conduta ética sejam mantidos. Os Estados do mundo têm a obrigação de avaliar as principais questões na intersecção da IA com as relações internacionais, para que possam orientar o  desenvolvimento de posições políticas governamentais e a formulação de políticas. A verdade é que a tecnologia pode melhorar a condição humana mas pode também levar a tragédias, isto porque, as armas autónomas que têm vindo a ser estudadas e melhoradas atuam de acordo com os objetivos programados, independentemente das consequências. por esta mesma razão,  corrida a este armamento ultramoderno tem despertado a atenção e a preocupação do mundo para possíveis consequências devastadoras. Mais de mil cientistas, especialistas em robótica e investigadores em IA, entre eles o físico Stephen Hawking, o filósofo Noam Chomsky, o cofundador da Apple, Steve Wozniak, assinaram, inclusive, uma carta aberta pedindo a proibição de “armas autónomas ofensivas”, divulgada pelo Institute Future of Life, um grupo que trabalha para apaziguar os riscos existenciais enfrentados pela humanidade. A trajetória das tecnologias de IA sustenta a necessidade de linhas vermelhas que devem ser definidas e articuladas, principalmente no contexto globalizado, de forma a tonar todo o processo de desenvolvimento de armas autónomas seguro para o mundo.


Fonte da Imagem: http://diegonogare.net/2020/03/guerra-inteligencia-artificial-entre-china-estados-unidos/

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