ANA MADALENA LEITÃO expõe a aplicabilidade da justificação kantiana, dentro da Teoria Liberal, no modus operandi da ONU e na concretização da sua ação efetiva.
De acordo com a teoria de Kant, aplicada à Política Externa, os Estados devem sempre agir pelo mais correto, desconsiderando a sua consequência e aplicando, desta forma, um conjunto de procedimentos racionais à sociedade enquanto um todo, podendo considerar nesta visão a defesa dos Direitos Humanos de forma universal.
Seguindo esta visão chegamos até à Teoria Liberal aplicada à Política externa, defendendo esta a aplicabilidade de características das relações sociais humanas aos Estados.
Considerando a missão da ONU de agir enquanto garante da paz e do respeito pela dignidade humana, podemos aplicar esta teoria liberal à génese da sua existência. No entanto, também devemos olhar de forma crítica para essa existência, bastando a análise dos membros permanentes do seu Conselho de Segurança para compreendermos como a Teoria do Realismo, isto é, da perpetuação da hostilidade entre os Estados, poderá também ela ser aplicável à existência da ONU.
Comecemos então por uma análise interna:
- A China, enquanto membro permanente do Conselho de Segurança, aterroriza minorias étnicas, perseguindo-as até Campos de Reeducação (nome utilizado na URSS, equivalente aos campos de concentração de Hitler, mas nos quais as mortes resultavam do trabalho forçado e de maus-tratos). No entanto esta não é a única ofensa de um país que faz uso da tecnologia para manter o seu regime ditatorial e controlar os seus cidadãos.
- A Rússia, também membro permanente desse Conselho, faz uso da repressão e persegue quem tem a coragem de desafiar o regime, ou de quem apresenta a audácia de se assumir como membro da comunidade LGBTQ. Os relatos vão desde a tortura, até à violência sexual, em condições que retiram a dignidade à vida, incluindo punições psicológicas.
Na realidade a inação dos restantes membros deste Conselho perante estes factos públicos, solidifica a Teoria Liberal na vertente em que os países optam pela paz económica ao invés da defesa primordial dos Direitos Humanos, apesar de esta ser parte importante desta mesma Teoria.
De seguida analisemos a vertente externa:
Com a primavera árabe, Estados que tinham sido formados após a derrota do Império Otomano viram o vislumbre da Democracia, no entanto foi apenas um vislumbre estando, atualmente, inundados em Guerras Civis repletas de interesses externos. Foquemo-nos no Iémen, apesar de a sua exposição ser comum na Síria e na Líbia. A guerra civil no Iémen teve início em 2015, após os Houthis terem derrubado o Governo de Saleh, opondo-se a este por o considerarem corrupto e autocrático. Os EUA (membros permanentes do Conselho) já desde 2000 apoiavam este regime, sob a justificação Kantiana de defesa dos cidadãos face à Al-Qaeda. Atualmente a Guerra opõe, especialmente, o lado saudita ao lado iraniano. Os Sauditas contam com o apoio dos membros permanentes do Conselho, exceto a Rússia que mantem o seu apoio alargado a todos os interveniente, exceto aos jihadistas.
É neste ponto que encontramos o maior conflito entre as teorias: por um lado, a ONU atua aplicando sanções a estas guerras, assumindo um papel de intermediador de uma guerra civil e defendendo os Direitos Humanos; por sua vez, os países membros permanentes do Conselho de Segurança dessa mesma Organização, são intervenientes na guerra que é alvo de sanções, declarando a defesa de um bem maior, isto é, alimentam a guerra defendendo o fim dessa guerra, assumindo a visão de Kant da ação pelo bem independentemente da sua consequência; por outro lado, a guerra constante neste território apresenta-se enquanto prova da Teoria Realista, pois é uma guerra com um pendor territorial extremamente forte em que os Estados se encontram incapazes de chegar à paz devido à convivência no mesmo território.
Desta forma, podemos concluir a colisão entre duas teorias tão opostas, podendo questionar se tal colisão aconteceria se a ONU fosse capaz de aplicar a Teoria Liberal à sua ação e aos seus membros, especialmente aos seus membros permanentes que dificilmente serão castigados pela própria Organização, pois a existência da Organização está dependente destes.
Torna-se crucial, em termos externos, o julgamento da intromissão destes países numa Guerra Civil que poderia já ter acabado caso não fosse alimentada por atores externos, ou que talvez não se tivesse tornado no maior campo de batalha do séc. XXI levando a crises de refugiados, a fome, a doenças e à morte de tantos civis.
Sendo igualmente crucial a defesa dos Direitos Humanos e do Direito à Dignidade perante todos os atores que a violam, dentro ou fora das suas fronteiras, retirando-lhes o poder que lhes foi conferido enquanto não se encontrarem capazes de respeitar estes valores universais que deveriam pautar o funcionamento da ONU.
Concluo respondendo à questão que alimentou esta análise: acredito que caso existisse o liberalismo no seu expoente máximo da defesa dos indivíduos e dos seus Direitos, a ONU poderia de facto atuar de acordo com os objetivos para a qual foi criada, ignorando, desta forma, justificações de intromissão em Guerras Civis por parte de atores externos a estas e internos à Organização Internacional, algo que não se verifica atualmente.
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