IANIRA VIEIRA explora a permanência da França nos países francófonos africanos, desafiada pelos novos atores, por meio de instrumentos legados do passado colonial, o franco CFA e bases militares, objetos de contestação nas áreas de intervenção.
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"On peut pas oublier la France-Afrique
Nique le temps des colonies
Instinct de guerre pour un homme de paix
Message de paix en temps de guerre"
Rap franc CFA de Youssoupha
No dia 21 de dezembro de 2019, o presidente francês Emmanuel Macron, durante o seu encontro com o presidente marfinense Alassane Ouattara, anunciou o fim próximo de franco CFA e a sua substituição por Eco. Dessa forma, aproxima-se o fim da vigência de uma remanescência do passado colonial e símbolo do neocolonialismo francês mais contestado no continente. Por outras palavras, a decisão do presidente francês, indicador da importância de particularidades individuais do decisor e do quadro ideológico em que as políticas externas são definidas, que vai inaugurar uma nova era de política externa francesa em relação aos países francófonos africanos, é determinada pelos movimentos de oposição ao fenómeno de Françafrique.
O termo Françafrique refere-se à influência francesa sobre as ex-colónias francesas e belgas na África Subsaariana. O seu significado atual foi cunhado por François Xavier Verschave para aludir a forma específica de neocolonialismo imposto pela França aos países africanos. Nas relações internacionais, o fenómeno pode ser explicado por meio da teoria realista. O Estado francês faz uso do seu direto e intervém no sistema internacional através de políticas externas com a finalidade de defender os seus interesses nacionais.
O franco da comunidade financeira africana é a moeda comum de catorze países da África Ocidental e Central maioritariamente ex-colónias francesas, com a exceção da Guiné-Bissau e da Guiné- Equatorial. O franco cfa ocidental para os estados-membros de União Económica e Monetária do Oeste Africano e o franco cfa central para os estados-membros de Comunidade Económica e Monetária da África Central, originalmente denominado franco das colónias francesas, nasceu em 1945 com a ratificação dos acordos de Bretton Woods pela França. À vista disso, os termos de acordo entre a França e os demais países assentam nos seguintes pontos. Em primeiro lugar, as transferências de capitais nas duas zonas monetárias (mas não entre elas) são gratuitas. Em segundo lugar, a França garante a conversibilidade da moeda e a sua taxa de paridade para o euro. Em troca, 50% das reservas cambais dos países da zona do franco é depositada no “Banque de France” em Paris.
A estabilidade monetária é um dos méritos deste acordo, mas, é amplamente censurada pela opinião pública e por vários economistas africanos e europeus. O livro “Sortir l'Afrique de la servitude monétaire: A qui profite le franc CFA?” de Kako Nubukpo, Martial Ze Belinga, Bruno Tinel, Demba e Moussa Dembélé espelha essa opinião. Como sabemos, a moeda é um dos centros da ação governativa dos Estados. Como tal, a gestão da moeda desses países pela França permite-a o exercício e supervisão de políticas económicas desses Estados africanos. Além disso, põe em causa a soberania estatal consagrada nas Constituições desses Estados. Um caso flagrante de falta de soberania desses Estados foi quando em 1994 a França impôs a desvalorização do franco CFA limitando-se a informar os Estados africanos da decisão. Também é inegável que existe uma parte que mais se beneficia com o acordo. Entre a França e os catorze países africanos existe livre-circulação de capital, mas, não entre as duas zonas monetárias que utilizam o franco CFA. Além disso, o Banco Central dos Estados da África Ocidental e o Banco dos Estados da África Central são obrigadas a seguir políticas monetárias na mesma linha do Banco Central Europeu que prioriza o combate à inflação e que por sua vez é prejudicial para as economias emergentes.
Assim como o franco CFA, as bases militares permanentes e temporárias francesas em alguns Estados africanos são legados do colonialismo francês que sobreviveram até os dias de hoje. Por meio bilateral através de acordos de defesa com certos países africanos, multilateral através de missões de Nações Unidas ou da União Europeia e por via unilateral, a presença de militares franceses no continente africano é justificada com base nas ameaças de segurança, por exemplo terrorismo e pirataria marítima, e dos seus impactos transnacionais.
Contudo, não deixa de ser criticada pelas populações locais devido à falta de transparência de governos africanos, por efeito de incidentes que vitimaram fatalmente civis, por causa de relatórios e investigações de situações de abusos, por exemplo abuso sexual, das forças militares francesas nas áreas de intervenção. Essas situações têm suscitado revolta por parte de residentes que têm protestado contra a presença francesa nos seus países. Por exemplo, este é o caso de Mali onde o sentimento 'antifrancês' tem cumulado em demostrações e protestos porque acreditam que os franceses estão no país para se apropriar dos seus recursos. Os analistas como Samuel Ramani argumentam que a intervenção francesa no continente tem agravado a crise de segurança devido ao apoio à líderes africanos autoritários e que por sua vez são aproveitados por grupos extremistas, exemplo de militares malianos treinados pelos franceses terem sido um dos protagonistas do golpe de estado no país em 2020 e falhas na intervenção de organismos regionais como é o caso de G5 do Sahel.
Por último, as decorrências das intervenções da França nas suas antigas colónias têm favorecido a intervenção de uma outra potência, a China. Se as populações locais desprezam os seus líderes políticos e os consideram todos corruptos, a hostilidade para a antiga metrópole tem aumentado cada vez mais e tem como um dos grupos mais vocais sobre o assunto, a juventude desses países. Visto que esse sentimento 'antifrancês' tem sido instrumentalizado e politizado, também é indisputável que tem favorecido a opinião pública em favor de potências não coloniais, como é o caso da China que tem ultrapassado consecutivamente a França como maior parceiro comercial da região.
Fonte da imagem: Deutsche Welle
Fonte complementar: Patrício, R. d. (2019). Teoria das Relações Internacionais: uma perspetiva. ISCSP- Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
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