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Myanmar: um golpe na estratégia americana

 





     Maria Batista pondera sobre o impacto geopolítico que o Golpe de Estado em Myanmar, antiga Birmânia, terá na hegemonia americana e chinesa.


            A 1 de fevereiro de 2021 forças militares tomaram o poder em Myanmar no seguimento da vitória da Liga Nacional para a Democracia com 82% dos votos. O fator fraturante neste assunto é o facto de as forças militares acreditarem que existiu fraude nas eleições que ocorreram em novembro de 2020, é de realçar que a Comissão Eleitoral já negou a existência de atividade fraudulenta, e portanto não aceitarem este novo governo. No dia 1 de Fevereiro era suposto o novo governo, liderado por Aung San Suu Kyi, tomar posse e foi no parlamento que as forças militares prenderam não só a chefe de governo como outros membros.

            Neste contexto, a população do país tem vindo a manifestar-se contra a detenção dos membros do governo e da comissão eleitoral. A proliferação da agitação popular é clara assim como a crescente violência policial contra os manifestantes, que já gerou alguns feridos graves.

 Agora, o que representa um Golpe de Estado num país asiático que é aliado aos Estados Unidos?

         A estratégia dos EUA para a conter a ascensão da China é reunir democracias asiáticas de forma a criar uma união que faça frente ao regime chinês, com o objetivo de conter o nascimento de outros regimes de cariz autoritário. Por isso este golpe militar significa um retrocesso nesta estratégia, até porque o país teve um governo militar até 2011. Por isso o foco está nos passos que os Estados Unidos irão dar para lidar com esta situação.

          A atuação de Washington é evidente, vários indivíduos foram introduzidos na “blacklist”, ou seja há vários alvos específicos que  irão sofrer sanções. Nesta conjuntura bloquearam o acesso do atual governo a fundos americanos e também definiram um plano de controlo para as exportações que possam beneficiar o governo. Apesar disto em áreas que afetam diretamente a sociedade civil irão manter o apoio, como em questões de saúde, para auxiliar grupos que estão no terreno e a populção.

          Por outro lado, Pequim tem um forte interesse na região, não só político como económico, algo lógico tendo em conta que Myanmar é um país riquíssimo em pedras preciosas e armas o que só poderá ser benéfico a nível estratégico. Nesta linha de pensamento era de esperar que a intervenção chinesa sobre o tema fosse um apelo à comunidade internacional para não intervir desnecessariamente em assuntos internos no país. MAS, o que também seria de esperar é que a defesa internacional da democracia não seja do interesse da potência chinesa, até porque não será o seu conjunto de valores favoritos. Se juntarmos isto com o facto de os EUA perderem hegemonia sobre o território asiático, a aliança  com Myanmar parece uma jogada altamente atrativa.

    Voltando ao golpe de Estado isto não foi de todo um acontecimento inesperado ou imprevisível, a realidade é que as forças militares nunca deixaram verdadeiramente o governo, e por isso o seu trabalho estava algo facilitado.  Os militares pretendem realizar novas eleições quando acabar o Estado de Emergência, que terá a longevidade de um ano. Como uma democracia relativamente recente é natural que existam obstáculos, neste caso não está de todo consolidada, é como um bebé que está a aprender a andar, e também o seu historial de governo militar não desaparecerá assim tão facilmente.

          Para os EUA perder Myanmar é mais relevante do que possa parecer, apesar de terem apoio da comunidade internacional neste momento a situação é bastante frágil, a população defende a democracia e está a lutar por ela mas os líderes militares não parecem dispostos a a renunciar ao poder. A atuação americana está a ser cautelosa porquepressionar excessivamente não é um passo inteligente, isto é evidente visto que até tiveram receio de denominar a situação como aquilo que é, um Golpe de Estado.

          Por todas as razões anteriormente referidas, esperemos que os “pezinhos de lã” ajudem Washington e que os militares aceitem ceder.


Fonte da imagem: https://www.lajornadamaya.mx/internacional/54461/lo-que-se-sabe-del-golpe-de-estado-en-myanmar

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