IANIRA VIEIRA averigua como a redefinição de políticas externas de países do Ocidente na última década ou a "retirada" dos europeus da África, em virtude de novos quadros ideológicos domésticos e movimentos de oposição locais às antigas metrópoles coloniais, tem impactado o crescimento de intervenção de outras potências, particularmente da China no continente africano.
A África tem estado no centro de rivalidades dos atores externos estatais e empresariais por causa de previsões de aumento de suas potencialidades. Por isso, potências do Ocidente ou os seus modelos de desenvolvimento têm disputado, com a China, a Rússia, a Índia, a Turquia, os seus acessos privilegiados à África.
Á luz teórica, o fenómeno que vou abordar pode ser explicado por meio da abordagem realista sendo os Estados analisados os principais atores internacionais que visam através de suas políticas externas proteger os seus interesses, da abordagem institucionalista liberal acentuando as relações sino-russas no continente africano que reduz a possibilidade de conflito e da abordagem construtivista através de intervenção gradual chinesa na mediação de conflitos no continente africano devido ás pressões internacionais.
A relação de alguns países africanos com a China e a Rússia não é recente. Na Conferência Económica de Moscovo, a direção soviética decidiu alargar, além do bloco de leste, a cooperação com outros países. Consequentemente, em 1956, prometeu auxílio aos países recéns descolonizados, por meio de apoio técnico, militar e bolsas de estudo sem demandar retribuições. Após a dissolução da União Soviética, o apoio e cooperação com países africanos reduziu drasticamente até 2014. No ano de 2018, ao mesmo tempo que Estados Unidos da América recua com a administração Trump, Kremlin celebra vários acordos com estados africanos intervindo ativamente no continente e juntando-se à União Europeia, China, Índia, Japão, Turquia. O que distingue a Rússia e favorece a sua intervenção na África Subsaariana é o fruto da diplomacia cultural durante o período soviético. Por outras palavras, o facto de muitos líderes africanos terem estudado na Rússia através de bolsas de estudos e no continente ainda existirem muitos países socialistas governados pelos partidos herdados dos movimentos independentistas.
Por sua vez, desde o começo do século XXI, a China tem envolvido ativamente no continente africano através de Fórum de Cooperação China-África atendido por quase todos os países africanos e promissor de investimentos bilionárias, maior parte de natureza pública. Atualmente, a China é um dos parceiros mais proeminentes do continente africano sendo o maior parceiro económico e em 2016, o quarto maior investidor depois de Estados Unidos da América, Reino Unido e França. Além disso, em 2017, a China instalou a sua primeira base militar fora do seu território em Djibouti, residência de bases militares francesas, italianas, estadunidenses e japonesas. E desde 2013, a China tem participado cada vez mais nas missões de manutenção da paz de Nações Unidos em África.
A China e a Rússia, dois atores estatais influentes no continente africano, são apresentados por alguns atores no toca a sua intervenção como parceiros ou como rivais. Porém, até agora assim como outros atores estatais têm coabitado em conjunto no continente, este parece ser também o caso de Moscovo e Pequim. Além disso, dificilmente se pode comparar os dois casos já que exportam produtos diferentes e intervém de forma distinta.
Quanto aos outros atores estatais no continente, é possível utilizar o exemplo da França para explicar a “retirada de europeus” ou a diminuição de influência em razão de intervenções com resultados insatisfatórios que adveio em forma de opinião pública desfavorável. Muitos africanos por causa da intervenção francesa no genocídio de Ruanda, na Líbia e outros estados africanos entendem a intervenção francesa nos seus países como uma perpetuação das suas experiências coloniais.
Apesar de tentativas de deslustrar a presença chinesa no continente africano, a opinião pública em África é favorável à China, tal como é demonstrada no estudo de afrobarometer entre 2014 e 2015. Embora Estados Unidos da América ainda continue a ser considerado como tendo o melhor modelo desenvolvimento, China se encontra atrás com uma média de 63% e tendo já ultrapassado EUA em alguns países. Na África Central, a China encontra-se em primeiro lugar o que demonstra a perda de influência da França. Por parte de analistas e observadores, o investimento e ajuda chinesa pode ser bom. Principalmente porque mais competição pelos recursos do continente aumenta a capacidade de líderes africanos de negociar bons acordos. Se bem utilizado, a cooperação sino-africana pode continuar a ser útil na construção de infraestruturas e estimular o crescimento económico.
Como referi anteriormente, a penetração de China no continente africano constitui um desafio para os parceiros tradicionais de muitos países africanos. Este é o caso francês em que a iniciativa de Marcon de transformar as relações entre a França e África encontra um cenário hostil onde a narrativa de França altruísta e defensor da soberania africana não encontra eco. Para comedir a presença de novos poderes em África, por exemplo a China e a Rússia, os parceiros tradicionais como França e Reino Unido têm redefinido as suas estratégias e concebido novas narrativas. Por exemplo, em 2019, o presidente francês realizou diversas visitas aos países africanos tendo a cooperação económica como um dos fins. O Reino Unido também tem competido com a presença chinesa em África e parte da nova estratégia, como ficou claro com o discurso de Boris Johnson na Cimeira de Investimento Reino Unido-África, consta em apresentar o Reino Unido como um parceiro mais confiável. Além disso, a desinformação e propaganda também têm espaço nesta competição com várias páginas dedicadas aos fenómenos de "fake news".
Alguns atores questionam se os parceiros tradicionais têm hipóteses de competir com a extensão da presença chinesa no continente africano. Outros asseguram que tudo depende de benefícios dos acordos. A competição tem sido difícil porque a China, ao contrário de países ocidentais, não impõe muitas condições com os seus investimentos e são mais flexíveis nos acordos de pagamento de dívidas. A cooperação sino-africana é apresentada como uma cooperação de "iguais", benéfica para as duas partes juntamente com o acréscimo de não intervenção nos assuntos soberanos desses países.
O ano de 2020, com a pandemia de coronavírus, revelou um teste para a relação sino-africana. Logo no início, situações de discriminação racial aos africanos na China quase originou um incidente diplomático. Mas, a China respondeu através de "diplomacia da máscara" que permitiu que, num ano tão atípico, a relação sino-africana aprofundasse ainda mais.
Em conclusão, por causa do multilateralismo, os países africanos só tem a ganhar com a interação competitiva das grandes potências. Por sua vez, a China terá eventualmente de intervir nos assuntos internos dos Estados africanos ao se deparar com os mesmos problemas que os outros, por exemplo a corrupção. Não obstante as alterações de narrativas por parte de parceiros tradicionais, parece insuficiente para conter a China que não tem o historial de estatuto da antiga metrópole no continente para ser facilmente classificado como o estereótipo de explorador colonial que usurpa os recursos africanos.
Fonte da imagem: Africa Cartoons
Fonte complementar: Patrício, R. d. (2019). Teoria das Relações Internacionais: uma perspetiva. ISCSP- Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
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