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O Antagonismo da Água: uma arma de guerra ou um instrumento para a paz? A importância da diplomacia

 

TÂNIA MELRINHO demonstra que as tensões e desacordos pelo acesso à água continuam a crescer a um ritmo célere, ao mesmo tempo que a escassez da água se mostra como uma ameaça, a diplomacia da água e a sua mediação passam a assumir um lugar primordial na política externa.

O antagonismo da água fica marcado por uma longa história de conflitos por recursos hídricos, utilizados como uma arma por diversos atores estatais e não estatais. Um bem comum que passa a ser utilizado como instrumento de guerra. Por outro lado, e como a União Europeia defende, a água pode ser também um apelo à cooperação multilateral, reconhecendo e tal como o Secretário-geral da ONU, António Guterres defende, o potencial da água como ferramenta para a paz, segurança e estabilidade.

A água pode não ser a fonte originária dos conflitos, mas é utilizada como uma tática de intimidação que pode nos pode conduzir até lá. De igual forma, a sua escassez questiona a paz e a segurança internacionais, exacerbando conflitos e tensões que afetam relações e atores internacionais. Relembrando que existem mais de 270 bacias hidrográficas partilhadas em todo o mundo, facilitando o choque de interesses pelos atores envolvidos, o que possibilita ataques, sabotagens, envenenamento de recursos hídricos, que sacrificam civis inocentes privados de água. Nos últimos anos, o mundo tem assistido até onde os interesses nos podem levar e à sobreposição dos fins estratégicos sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, exemplo disso são os conflitos armados contemporâneos na Síria, Iraque, Líbia, Darfur, onde os recursos hídricos se tornam objetivos de ataque.

Nesta conjuntura, destaca-se a importância da União Europeia com a diplomacia da água, demonstrando o seu empenho diplomático em tornar a água um instrumento de paz e não de guerra, condenando fortemente esta utilização. Em boa verdade, a água não respeita qualquer tipo de fronteiras, sendo um bem comum que conecta não só países, mas também pessoas. Esta questão salienta a importância da cooperação internacional e da gestão da água, sendo a diplomacia da água da UE um pilar para a gestão compartilhada em vários países. Nesta vertente, a UE está dedicada ao direito humano à água potável segura e ao saneamento, ao implementar o ODS 6 da Agenda 2030 da ONU. A questão da água abrange toda a agenda internacional, é de interesse comum privilegiar a administração e a partilha justa dos recursos hídricos, onde se destaca o papel dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia com a apresentação das conclusões da diplomacia da água.

A diplomacia da água ganha relevo, começando a existir uma consciencialização e crescente valorização da necessidade de proteger um bem essencial e colmatar a lacuna que tem existido nesta questão. Atua como mediadora de divergências e conflitos, que se devem maioritariamente a desentendimentos sobre se um ator deve valorizar interesses económicos laterais ou o benefício mútuo, a resposta parece óbvia, mas a balança raramente pende para o lado do bem comum. A diplomacia da água, representada pela UE, pretende assim evitar que esses desacordos alcancem o patamar de conflitos, atuando como uma diplomacia preventiva, sublinhando que o seu fim último é a cooperação diplomática e a estabilidade. A própria diplomacia é um instrumento de política externa para o estabelecimento e desenvolvimento dos contactos pacíficos (Gomes,1990, p.56), apoia um maior engajamento, transparência e colaboração dos diversos atores internacionais.

O próprio caminho para a paz só pode ser feito com a proteção da água e em conciliação com projetos hídricos, exemplificado o conflito na Síria onde a paz também só poderá ser alcançada se incluir a gestão da água para Eufrates e uma visão de cooperação hídrica geral para a Mesopotâmia. Podemos até questionar se a diplomacia da água será realmente importante e a verdade é que o é, se for exercida de forma multilateral. A própria Paz de Vestefália ,nos Tratados de Munster e Osnabruck, confirma que para a construção da paz é inquestionável a cooperação da água para a sua sustentabilidade. Citando Danilo Turk “A paz nos nossos dias requer muito mais do que a ausência de guerra entre os estados, requer compreensão oportuna dos próximos problemas que podem criar ameaças futuras. Requer um conjunto de ferramentas para a cooperação de segurança global no sentido mais amplo da palavra, a cooperação transfronteiriça da água é um deles.”

A água começa a tornar-se o mais importante recurso geopolítico, sendo decisivo para a segurança internacional e um elemento-chave na luta pela paz e estabilidade política. A resposta está na diplomacia da água, que desempenha um papel crítico no alívio de tensões em todo o mundo, ressalvando que a diplomacia é um dos mais bem-sucedidos instrumentos pacíficos (Gomes, 1990, p.72)  da política externa.



Fonte da imagem: Carlos Latuff
       Referências adicionais: Gomes, Gonçalo S. (1990) A Política Externa e a Diplomacia numa Estratégia Nacional, Instituto de Defesa Nacional.
 

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