Renata Rocha analisa como a guerra de Israel contra o coronavírus é também uma guerra contra os palestinos. Numa corrida pelo topo Israel atropela liberdades civis e direitos humanos, deixando os Palestinos numa corrida pela sobrevivência.
Numa corrida contra o tempo Israel, ao lado de outros países como os Emirados Árabes Unidos ou Bahrein, têm sido declarados vencedores desta competição uma vez que os dados demonstram que são estes os estrategas mais eficazes pois até dia 9 de Fevereiro 40% da população de Israel já tinha recebido, pelo menos, uma dose da vacina (figura 1).
Figura 1 - Percentagem de pessoas que receberam, pelo menos, uma dose de vacina COVID-19 |
Israel possui inúmeras unidades
móveis de vacina com refrigeradores que mantêm as doses da Pfizer na
temperatura certa, enquanto os palestinos possuem apenas uma unidade de
refrigeração capaz de armazenar a vacina.
Esta disparidade de realidades que,
reflete a saliente desigualdade geral no acesso à vacinação entre países ricos
e pobres e o nacionalismo da vacina, trouxe a “questão da palestina” ao centro
do debate internacional novamente, havendo uma divisão entre aqueles que como o
ministro da saúde, Yuli Edelstein, que, invocando os acordos de Oslo, defendem a
exclusiva responsabilidade da autoridade Palestina na administração dos serviços
de saúde e, por consequência, a autoproteção contra a pandemia e entre aqueles
que, estando do lado certo da história, criminalizam a atitude israelense,
afirmando o dever e a obrigação de assegurar vacinas, de forma igualitária, a
toda a população existente nos territórios ocupados por este.
É de salientar que os acordos de
Oslo, assinados por Israel e pela organização de libertação da Palestina nos
anos 90, depositam na Palestina o ónus da responsabilidade da saúde pública mas
também estabelecem que tem de existir uma cooperação e uma troca de informação
no combate a epidemias e a doenças contagiosas, de forma a lutarem lado a lado –
uma situação que não acontece – mas,
apesar disto, a quarta convenção de Genebra estabelece o dever daqueles que ocupam territórios de fornecer os cuidados de
saúde e, sendo a lei internacional prioritária face a todos os acordos,
o que está a acontecer na Palestina é um
apartheid - sendo apartheid definido como “a institucionalização de um regime
sistémico de opressão e dominação”, de acordo com o estatuto de Roma do
tribunal internacional.
Um apartheid que se estende desde a
proclamação da independência do estado de Israel a 14 de Maio de 1948, uma ocupação que perdura até aos dias de hoje, e significa para os palestinos
uma devastação total da sua sociedade e uma constante violação dos direitos
humanos uma vez que a lei do estado de Israel
estabelece o direito a determinação própria do estado de Israel exclusivo
a judeus, existindo mais de 65 leis que discriminam os palestinos, restringindo
o acesso à habitação, à residência, ao retorno às suas casas, a educação e,
como é demonstrado até aqui, à saúde.
Israel não vê meios para atingir os
seus fins e para prosseguir os seus interesses, aproveitando uma situação mundial
de incerteza, confusão e caos para prosperar e perpetuar o tratamento dos
palestinos como uma doença, aperfeiçoando a sua capacidade estatal de atropelar
liberdades civis e de agir acima da lei, como forma de sair vencedor.
Desta forma, a situação pandémica atípica
que delineia o comportamento internacional dos estados serviu para a prossecução
da busca de vantagens em conflitos já existentes, marginalizando e afetando com
maior dimensão as populações já vulneráveis e oprimidas como é o exemplo da
Palestina, demonstrando que a vacina e as campanhas de vacinação apenas reforçam
a opressão e a dominação levando a que enquanto Israel compete pelo
título de vencedor, a Palestina compete pela sua sobrevivência.
Assim, em jeito de conclusão, a campanha de vacinação de Israel não pode ser considerada de um milagre mas sim de um crime internacional pelo que deve ser sancionado e dignificado como tal. Também, neste contexto, devem ser garantidos a todos os Palestinos o acesso a uma proteção digna contra o COVID-19, criminalizando o "coronapartheid" até hoje realizado.
Fonte de imagem: Carlos Latuff
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