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O apartheid da vacina COVID-19

 

Renata Rocha analisa como a guerra de Israel contra o coronavírus é também uma guerra contra os palestinos. Numa corrida pelo topo Israel atropela liberdades civis e direitos humanos, deixando os Palestinos numa corrida pela sobrevivência.

Num plano de fundo negro e preocupante em que a COVID-19 e as suas novas variantes atingem em todos os níveis a sociedade internacional é visível uma intensa corrida à vacinação em que os Estados competem entre si numa tentativa de voltar a uma normalidade confortante levando a que nesta disputa fossem lançados inúmeros elogios à estratégia de vacinação de Israel mas, será que pode ser chamado de milagre israelense quando milhões de palestinos são excluídos?
Numa corrida contra o tempo Israel, ao lado de outros países como os Emirados Árabes Unidos ou Bahrein, têm sido declarados vencedores desta competição uma vez que os dados demonstram que são estes os estrategas mais eficazes pois até dia 9 de Fevereiro 40% da população de Israel já tinha recebido, pelo menos, uma dose da vacina (figura 1).

Figura 1 - Percentagem de pessoas que receberam, pelo menos, uma dose de vacina COVID-19


Contudo, quando o foco da lente é posto na Palestina a realidade é diferente e, mais uma vez, é saliente a fundação e o crescimento de Israel em função da opressão palestina em que cerca de 5 milhões de palestinos que vivem em territórios ocupados por Israel são excluídos deste eficiente programa de vacinação, esperando, ainda, pela primeira dose. Constituindo isto como “uma discriminação racial contra as pessoas palestinas e uma negação contra o direito a cuidados de saúde”

No final do mês de Janeiro, Israel numa tentativa de apaziguar e ser bem-visto no contexto internacional, após inúmeras denúncias por parte das organizações internacionais e de alguns estados, anunciou um plano de transferir 5 mil doses para imunizar a linha da frente dos médicos palestinos mas, além de este plano não ter prazo de fornecimento, também fica muito aquém das verdadeiras necessidades do povo palestino.

Israel possui inúmeras unidades móveis de vacina com refrigeradores que mantêm as doses da Pfizer na temperatura certa, enquanto os palestinos possuem apenas uma unidade de refrigeração capaz de armazenar a vacina.

Esta disparidade de realidades que, reflete a saliente desigualdade geral no acesso à vacinação entre países ricos e pobres e o nacionalismo da vacina, trouxe a “questão da palestina” ao centro do debate internacional novamente, havendo uma divisão entre aqueles que como o ministro da saúde, Yuli Edelstein, que, invocando os acordos de Oslo, defendem a exclusiva responsabilidade da autoridade Palestina na administração dos serviços de saúde e, por consequência, a autoproteção contra a pandemia e entre aqueles que, estando do lado certo da história, criminalizam a atitude israelense, afirmando o dever e a obrigação de assegurar vacinas, de forma igualitária, a toda a população existente nos territórios ocupados por este.

É de salientar que os acordos de Oslo, assinados por Israel e pela organização de libertação da Palestina nos anos 90, depositam na Palestina o ónus da responsabilidade da saúde pública mas também estabelecem que tem de existir uma cooperação e uma troca de informação no combate a epidemias e a doenças contagiosas, de forma a lutarem lado a lado –  uma situação que não acontece – mas, apesar disto, a quarta convenção de Genebra estabelece o dever daqueles que ocupam territórios de fornecer os cuidados de saúde e, sendo a lei internacional prioritária face a todos os acordos,  o que está a acontecer na Palestina é um apartheid - sendo apartheid definido como “a institucionalização de um regime sistémico de opressão e dominação”, de acordo com o estatuto de Roma do tribunal internacional.

Um apartheid que se estende desde a proclamação da independência do estado de Israel a 14 de Maio de 1948, uma ocupação que perdura até aos dias de hoje, e significa para os palestinos uma devastação total da sua sociedade e uma constante violação dos direitos humanos uma vez que a lei do estado de Israel  estabelece o direito a determinação própria do estado de Israel exclusivo a judeus, existindo mais de 65 leis que discriminam os palestinos, restringindo o acesso à habitação, à residência, ao retorno às suas casas, a educação e, como é demonstrado até aqui, à saúde.

Israel não vê meios para atingir os seus fins e para prosseguir os seus interesses, aproveitando uma situação mundial de incerteza, confusão e caos para prosperar e perpetuar o tratamento dos palestinos como uma doença, aperfeiçoando a sua capacidade estatal de atropelar liberdades civis e de agir acima da lei, como forma de sair vencedor.

Desta forma, a situação pandémica atípica que delineia o comportamento internacional dos estados serviu para a prossecução da busca de vantagens em conflitos já existentes, marginalizando e afetando com maior dimensão as populações já vulneráveis e oprimidas como é o exemplo da Palestina, demonstrando que a vacina e as campanhas de vacinação apenas reforçam a opressão e a dominação levando a que enquanto Israel compete pelo título de vencedor, a Palestina compete pela sua sobrevivência.

Assim, em jeito de conclusão, a campanha de vacinação de Israel não pode ser considerada de um milagre mas sim de um crime internacional pelo que deve ser sancionado e dignificado como tal. Também, neste contexto, devem ser garantidos a todos os Palestinos o acesso a uma proteção digna contra o COVID-19, criminalizando o "coronapartheid" até hoje realizado.

 

Fonte de imagem: Carlos Latuff


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