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Intervenção das tropas brasileiras na Missão do Haiti dá vantagem ao Brasil no panorama internacional



FILIPA RIO MAIOR destaca que a participação do exército brasileiro na missão de paz criada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) na crise humanitária do Haiti ampliou a sua atuação e o seu peso junto da comunidade internacional do século XXI.         

     O Haiti, que é um país caribenho, encontra-se numa crise humanitária crónica provocada por uma junção de fatores- instabilidade política, violência e ainda desastres naturais recorrentes- sendo assim considerado um dos países mais pobres do mundo. Atualmente encontra-se no 170º lugar num total de 189 países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com o relatório do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

    Em 2004, o até então presidente Jean-Bertrand Aristide foi forçado a renunciar o seu cargo depois de inúmeros protestos de populares deixarem o Haiti à beira de uma guerra civil- já que grupos pró e grupos contra o presidente se enfrentavam violentamente. Com a saída de Aristide e o seu asilo na África do Sul, o presidente da Suprema Corte do Haiti, Bonifácio Alexandre, assumiu a presidência do país e solicitou ajuda da Organização das Nações Unidas (ONU) na esperança que fosse possível amenizar a crise que se sentia no Haiti.

     Ao fazer este pedido, cumpria-se o princípio do “consenso de ambas as partes”, necessário para que uma Missão de Paz fosse criada. Assim, o Conselho de Segurança da ONU criou a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (MINUSTAH) que tinha como principal objetivo levar até ao Haiti toda a ajuda humanitária possível e promover a normalidade institucional no país, bem como restabelecer a segurança e proteger os direitos humanos. Os soldados das NU auxiliaram ainda no atendimento médico e odontológico, na distribuição de roupas e alimentos e na manutenção de escolas. Desde o início que a missão esteve sob o comando das forças brasileiras e assim permaneceu até ao seu término e, apesar de se poder contar com a participação de efetivos militares de outros países, o Brasil terá sido o país que mais se destacou durante toda a operação, de acordo com dados levantados sobre a missão no artigo “A participação da América Latina e do Caribe nas operações de paz da ONU”.

     Em 2010, quando um terremoto de 7,0 na escala de Richter atingiu o Haiti, cerca de 2 187 brasileiros já estavam no país em missão, o que representava 25,4% do total de tropas da ONU. Esta catástrofe causou a morte de mais de 200 mil pessoas e levou o Conselho de Segurança a renovar a MINUSTAH. Assim, as tropas enviadas pela ONU aumentaram e passaram auxiliar na reconstrução do país através da realização de buscas por sobreviventes, na remoção de escombros e corpos, na distribuição de alimentos e nas obras de reconstituição de infraestruturas que foram abaladas pelo sismo.

    Todo este cenário catastrófico, as violações de direitos humanos, a carência de serviços básicos e a pobreza motivaram milhares de haitianos a mudarem-se para outros países. O destaque das tropas brasileiras na MINUSTAH, os retratos feitos por alguns meios de comunicação no que se refere às condições de vida no Brasil, a influência do futebol e das estrelas brasileiras, a suposição de que o Brasil não deporta os migrantes irregulares e os rumores propagados por traficantes de que o Brasil é uma fonte de oportunidades laborais para trabalhadores não-qualificados são algumas das razões pelas quais se dá um grande fluxo migratório de haitianos para o Brasil na segunda década do século XXI. Uma pesquisa da Organização Internacional para as Migrações (OIM) revela que o Brasil foi o país sul-americano que mais recebeu estes imigrantes- o que demonstra que o país foi bastante flexível e adotou uma política “pró estrangeiro”, pelo menos, nos anos correspondentes a este desastre.

     A participação e o destaque do Brasil na Missão no Haiti, assim como noutras missões, foi uma oportunidade para que o Brasil restaurasse a sua reputação e conseguisse obter legitimidade por parte dos seus vizinhos e da comunidade internacional. Aceitar coordenar esta missão foi uma forma de atingir os seus objetivos diplomáticos e de vir a ampliar o seu peso e atuação junto da ONU, por exemplo, ao procurar um assento no Conselho de Segurança da ONU.

    As diretrizes de política externa durante o governo Lula da Silva (2003-2011) e na gestão de Dilma Rousseff (2011-2016) - anos correspondentes à crise no Haiti e à missão humanitária da ONU - estavam assentes no multilateralismo, na cooperação, na construção da paz, no respeito às organizações internacionais, na defesa dos direitos humanos (através, por exemplo, da elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos ou da adesão à ACNUR) e a priorização aos países da região, especialmente do MERCOSUL .

    Durante a missão no Haiti, a América Latina passou a ser tratada como prioridade, o Brasil assumiu a intenção de administrar as crises humanitárias e de arbitrar os conflitos políticos na região, com vista a assegurar a estabilidade regional e a obter um espaço maior nas decisões tomadas no cenário mundial. Também a cooperação Sul-Sul foi enfatizada, a partir da aproximação do Brasil com países em desenvolvimento e emergentes, a fim de obter vantagens políticas e económicas

    Foi também neste seguimento que o Brasil foi protagonista noutras iniciativas, organizações e fóruns regionais e multilaterais: quer fosse através da formação do G-4, uma aliança entre o Brasil, a Alemanha, a Índia e o Japão com o objetivo de apoiar as propostas uns dos outros para ingressar em assentos no Conselho de Segurança da ONU; quer através da criação do G-20 com o objetivo de promover a estabilidade financeira internacional e procurar reduzir assimetrias entre países; quer com a criação do fórum IBAS, em conjunto com a Índia e a África do Sul, que serve de auxílio em parcerias na área nuclear e na produção de medicamentos; quer da formação do agrupamento BRICS que visa converter o crescente poder económico dos países-membros numa maior influência geopolítica.

    Para além disto, a missão no Haiti permitiu ainda uma relação de interação entre os atores internacionais e as instituições nacionais brasileiras (ONGs, instituições religiosas e de assistência a refugiados) e serviu também de preparação para as Forças Armadas brasileiras agirem em diversos contextos - como em conflitos civis e desastres naturais. De acordo com o Ministério da Defesa Brasileiro, o trabalho desenvolvido no Haiti foi uma "alavanca" para que o Brasil viesse a prestar auxílio noutras missões internacionais mais tarde.

   


    Tudo isto veio propiciar uma maior participação brasileira no panorama internacional: a defesa da democracia e dos direitos humanos e a atitude de "não-indiferença" promoveram a ação diplomática do Brasil e angariaram boa-vontade junto da opinião pública nos últimos anos.

 Fonte:  Valerie Baeriswyl / AFP 

 Fonte: EBC Agência Brasil 


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