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Argélia e França: aproximações ou branqueamento?


DANIELA SANTOS argumenta que França e Argélia estão unidas pela história colonialista que, atualmente, continua a ser branqueada enquanto o povo argelino vive o trauma colonialista e sem justiça

    Na década 30 do século XIX, sob a influência neocolonialista e em prossecução dos seus interesses tanto industriais como de poder – para se tornar uma potência europeia- França inicia a sua onda colonizadora no continente africano invadindo a Argélia. Uma invasão que se viu confrontada com a resistência popular existente, também, durante os anos de ocupação. Os desejos pela independência fazem-se sentir e impulsionados pela classe alta argelina e pela fundação da Frente de Libertação Nacional (FNL) que convergiram na Guerra da Independência Argelina, iniciada entre 1954/1955.

    O governo francês, sem querer abdicar de um território que nunca foi dele, realiza ações terroristas e crimes de guerra contra o povo argelino. Uma brutalidade impulsionada pelos pied-noir (colonos que tinham imigrado para a Argélia) que não queriam perder os seus negócios com base na exploração. Uma guerra que dura até 1962, quando, finalmente, Argélia ganha a sua independência e funda a República Popular Democrática da Argélia com princípios socialistas.

    O horror vivido durante a guerra, fica conhecido anos mais tarde com a publicação do livro Les tueurs de la République do jornalista Vincent Nouzille. São expostos documentos sobre o aparelho repressivo que o governo francês desenvolveu para a sua supremacia. Posto isto, é percetível que as relações interativas na vida internacional entre estes dois Estados têm como base elos históricos. Em que se assiste a uma França que molda a sua relação com a Argélia para realizar os seus interesses, ou seja, continuar a sua exploração, principalmente, ao nível económico na exploração dos hidrocarbonetos.

    Desta maneira, Macron (presidente francês) pede a Benjamim Stora, um pied noir e historiador, um relatório “com recomendações ao Estado francês para a promoção da verdade sobre o conflito franco-argelino”. Tem como objetivo o reconhecimento de todos os atos cometidos, porém Stora continuou a narrativa de minimização da violência francesa na Argélia. Para além disto, Macron ainda diz que não haverá um pedido de desculpas, preferindo seguir os atos simbólicos de um relatório que, segundo Afaf Zekkour and Noureddine Amara, contém um certo revisionismo.  

    Como resposta a esta ação, os parlamentares da Argélia recolhem assinaturas “para pressionar o governo a instituir uma lei que criminalize a ocupação colonial”. Uma lei que já foi proposta no ano passado e volta a ganhar força para condenar os crimes coloniais e recuperar arquivos e arte que foram saqueadas. Exige-se, também, que França se responsabilize pelo lixo nuclear deixado no Saara argelino. “O estado da Argélia e organizações da sociedade civil exigem” que seja revelado as coordenadas do lixo nuclear. Isto porque, França, outra vez, recusa reconhecer e indemnizar as vítimas d exposição à radiação. Para além disso, foi um dos Estados que recusou a assinatura do tratado da ONU que iria pôr em ação o princípio da responsabilidade de quem polui.

    A Argélia distancia-se de França até de questões militares ao não integrar a coligação criada pela França no combate ao terrorismo. Defende, portanto, a rejeição de intervenções militares estrangeiras na zona do Sahel. Assim, esta relação bilateral é bastante instável com entraves para a concretização dos objetivos estatais de ambos os Estados. O que acaba por os unir é a relação ao nível económico. Visto que, encontram-se sediada mais de 500 empresas francesas em território argelino e, em 2017, mais de 6500 empresas desejam entrar no mercado da Argélia.

    Será que podemos dizer que este este elo de ligação económica é um perpetuar do neocolonialismo?

    Segundo Nabila Ramdani, França ainda tenta controlar os destinos argelinos e rescrever a história. O relatório de Stora espelha uma ação unilateral francesa, já que, para além da inexistência de um reconhecimento e de um pedido de desculpas, o relatório faz uma lavagem histórica em que se foca “on the brutal recent attacks carried out in France by Islamist terrorists”. Ou seja, o documento ecoa uma estratégia nacional pela segurança interna que trilha caminhos xenófobos numa França onde a extrema-direita de Marine Le Pen ganha força. Realçando que o Reagrupamento Nacional, antiga Frente Nacional e partido de Marine Le Pen, foi fundado por “antigos membros da Argélia francesa”.

    Em jeito de conclusão, esta reconciliação nunca será conseguida através de uma diplomacia cultural que apela às ligações históricas e humanas deixando, assim, o trauma do colonialismo sem reconhecimento. Foram anos de ocupação e de destruição da memória argelina que culminaram numa guerra brutal que desrespeitou a própria vida humana. Um período histórico que não é ensinado com fidelidade e rigor aos acontecimentos reais, imperando uma narrativa eurocêntrica de atenuação das ações colonialistas: enquanto que os franceses pretende virar a página “o povo argelino ainda reivindica justiça e reconhecimento formal de Paris sobre seus crimes coloniais no país”. 

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