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Portugal e UE, como a Cooperação Internacional é a solução para a crise Humanitária em Moçambique

    DIOGO LOPES argumenta que a resolução da crise humanitária e o problema do terrorismo no norte de Moçambique, proporcionado pela falta de presença efetiva de segurança e meios de subsistência, encontra-se no topo das prioridades da presidência portuguesa do Conselho da UE.


    Desde 2017 que Ahlu-Sunnah Wa-Jama (ASWJ) — ou como os locais os chamam, al-Shabaab têm aterrorizado a zona norte de Moçambique, sendo que só entre janeiro e setembro do ano passado, o grupo insurgente já tinha realizado 357 ataques, um número muito superior aos realizados no ano anterior (perfazendo o total visível na figura 2). Para além do aumento do número de investidas, trocaram as aldeias isoladas pelas capitais de distrito como seu foco de ataque, onde permanecem longos períodos.

figura 2 - Número total de ataques contabilizados na província de Cabo Delgado entre 2017 e 2020


    O facto de se sentirem à vontade para atacar grandes cidades e para permanecer meses no mesmo sítio, comprova que a situação se agrava, e que progressivamente aumentam a sua capacidade operacional, a sua resiliência e a sua confiança. Estas longas “estadias” permite-lhes aproveitarem as infraestruturas existentes para estenderem o seu domínio, como foi o caso da ocupação do porto de Mocímboa da Praia, através do qual conseguiram atacar diversas ilhas da costa de Cabo Delgado, e consequentemente pôr em risco a exploração de reservas de gás natural que se localizam a 60 km a norte de Mocímboa, que representam cerca de 60 mil milhões de dólares.
    Até ao início de 2020 provocaram mais de mil mortes e mais de cem mil refugiados, pessoas que se viram obrigadas a deixar tudo para trás devido ao conflito e à insegurança, numa fuga pela sobrevivência. A maioria dos afetados procurou refúgio nos distritos a sul da província de Cabo Delgado, considerados mais seguros.
    Com uma estrutura cada vez mais estável o grupo consegue providenciar incentivos económicos aos jovens recrutas e às suas famílias, sendo que é relevante destacar que a fonte do financiamento é proveniente de doações internas e externas, e de atividades ilícitas como a venda de madeira, carvão, marfim e borracha, a parceiros na Tanzânia, China e Vietname. Os estímulos financeiros têm permitido ao grupo aumentar os seus membros, uma vez que os indivíduos veem esta como uma boa oportunidade de lutar contra o Estado Moçambicano, que não os tem protegido, para além de conseguirem obter salários mensais que excedem o salário mínimo.
    Por todo o país existe a ideia de que o Governo beneficia as elites e humilha o povo; e especificamente na zona Norte do país, estas ideias proliferam mais, uma vez que é extremamente rica em pedras preciosas, madeira e gás natural, no entanto representa as províncias mais pobres de Moçambique.
    Para além da importância geopolítica da área, é importante que a União Europeia, especialmente durante a presidência de Portugal da Comissão Europeia, trace um plano em conjunto com o Estado Moçambicano, de forma a garantir que não são perdidas mais vidas devido a este conflito. Para isso é relevante, segundo Emília Colombo (investigadora do CSIS), que se adote uma estratégia desenvolvida pelo Governo Moçambicano, que inclua áreas como a da segurança, assim como benefícios sociais e económicos para auxiliar as populações; deste modo as forças externas não vão impor as suas estratégias, mas sim dar conselhos e apoio às já delineadas pelo Governo nacional.
    A União Europeia apoia moçambique neste tópico, para além dos projetos que já desenvolve no país, nomeadamente para melhorar o seu desenvolvimento económico através das reservas de gás natural e carvão, que irão providenciar uma necessária adaptação às alterações climáticas, uma vez que este país está muito exposto a secas, inundações e tempestades.
    Em 2020, a União Europeia disponibilizou cerca de 14,6 milhões de euros para as necessidades humanitárias em Moçambique, sendo que 5 milhões foram destinados especificamente para os afetados pelos conflitos no norte do país.
    Para além disto, as autoridades moçambicanas pediram auxílio, no treino das forças armadas para combater os insurgentes, ao Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrel, que recentemente afirmou em Bruxelas que não se pode se pode justificar que o que está a decorrer em Moçambique, é apenas consequência da extensão do movimento islâmico terrorista, uma vez que temos de ter em conta, que o conflito armado foi também desencadeado pela pobreza e desigualdade, e pela perda do respeito da população, por um Estado que não lhe pôde fornecer aquilo que precisava.
    Coube ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Augusto Santos Silva, representar a União Europeia numa recente visita a Maputo, onde disse que primeiramente era importante respeitar a soberania de Moçambique, assim como das organizações da zona, como a União Africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, à medida que decidem a sua intervenção no conflito; estando a UE a trabalhar em estreita colaboração com estas. Em segundo lugar, a intervenção europeia devia ter lugar o mais rápido possível, nomeadamente através da formação das forças militares e de segurança.
    No caso específico de Portugal, as ligações históricas que ligam ambos os países são inigualáveis, deste modo Portugal e a CPLP já afirmaram que consideram os ataques em Cabo Delgado “uma tragédia humana”, e que neste momento, o mais importante é dar “apoio político e a mobilização de toda a comunidade internacional para a causa moçambicana”.
    Para concluir, aquilo que se espera em 2021 é a cooperação internacional para combater a insurgência em Moçambique, sendo que a União Europeia, e Portugal em específico, vão ocupar um grande papel nesse apoio. No entanto, e segundo o presidente moçambicano, “é preciso saber como organizar este apoio internacional pois há o risco de se criar um salada russa de intervenções externas”.
 

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