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Os atentados ao Estado de Direito na Polónia e a ineficiência dos instrumentos da União Europeia




ANA GIL apresenta momentos importantes em que o Estado de Direito foi colocado em causa na Polónia e a respetiva resposta das instituições europeias, concluindo que estas tiveram pouco sucesso na proteção dos valores democráticos.

Em 2015, os ataques ao Estado de Direito na Polónia chamaram à atenção da União Europeia. À época, a comissão europeia preocupou-se com o facto de a independência dos tribunais polacos estar a ser colocada em causa.

Em 2017, esta preocupação agravou-se face à reforma judicial que o governo polaco desenvolvia, dando mais poderes ao governo sobre os tribunais.  A comissão europeia tentou dissuadir o governo polaco de levar a cabo medidas antidemocráticas, mas a diplomacia não foi suficiente pelo que foi necessário recorrer-se a outros instrumentos de execução de política externa.

Com tal, a União Europeia – ao abrigo do artigo 7 do tratado da união europeia – deu início a um processo formal contra a polónia, cujo pior cenário resultante seria a perda de direito de voto do país em Bruxelas. As circunstâncias justificavam a atuação das instituições da UE: o governo polaco, ao sacrificar a separação de poderes e o Estado de Direito dentro das suas fronteiras, colocava em risco o valor da democracia dentro do projeto europeu .

A aplicação deste processo contra a Polónia pode ser vista como um instrumento pacífico de execução de política externa (mais severo que a diplomacia) utilizado pela União Europeia, uma vez que esta pretende influenciar a atuação da Polónia através de sanções negativas ou, em última instância, de uma intervenção política a nível dos poderes da polónia dentro das instituições europeias.

A perda de direito ao voto nunca chegou a acontecer, visto ser uma medida que necessita de aprovação por unanimidade e não ter sido apoiada pela Hungria. Esta situação foi demonstrativa do poder que estes dois países detêm dentro da União Europeia ao estarem aliados.


Entre 28 de junho e 07 de julho de 2020, ocorreram as eleições presidenciais na Polónia e a desconsideração pelos valores democráticos voltou a alertar a União Europeia.

As eleições presidenciais estavam previstas para maio, mas a situação pandémica impedia que se reunissem as condições necessárias ao ato eleitoral, pelo que o governo tinha de as adiar. Para tal, bastaria a declaração do Estado de Emergência e as eleições seriam adiadas para o outono desse ano. No entanto, por essa altura, os efeitos da crise já ter-se-iam feito sentir sobre os cidadãos e o as chances de o atual presidente, Andrzej Duda, ser eleito, eram menores. Assim, a fim de garantir a reeleição de Duda, o governo optou por simplesmente não organizar as eleições, sabendo que estas seriam consideradas inválidas pelo Supremo Tribunal e consequentemente adiadas para um futuro mais próximo. A plano teve sucesso e Duda foi reeleito. Esta situação configurou-se como um exemplo de como a pandemia da covid-19 está a servir de pretexto para a deterioração das instituições democráticas  no seio da União Europeia.

Também em julho de 2020, os 27 Estados Estados-Membro da União Europeia aprovaram um instrumento financeiro de 750 mil milhões de euros para fazer face à crise, que será integrado no quadro financeiro plurianual para 2021-2027, que somará um total de 1,8 biliões de euros

A união europeia decidiu, no entanto, que a atribuição de fundos europeus deveria estar dependente do respeito pelos valores basilares do projeto europeu, tornando esta “bazuca” europeia numa ferramenta de influência sobre os Estados da Polónia e da Hungria, que têm desrespeitado estes mesmos valores. O Chamado mecanismo de Estado de Direito iria permitir que as transferências financeiras para os Estados previstas no quadro plurianual 2021-2027 fossem suspensas caso as normas democráticas estabelecidas no Tratado de Lisboa fossem quebradas. Considera-se, assim, que o mecanismo de Estado de Direito seja uma forma de sanção negativa no âmbito dos instrumentos pacíficos de execução de Política Externa.

O impasse começa quando a Polónia e a Hungria se unem para impedir a implementação deste mecanismo: a aprovação do mecanismo apenas carecia de maioria qualificada, pelo que tal foi possível, mas a aprovação do orçamento plurianual carece de unanimidade e estes dois Estados decidem vetá-lo enquanto a cláusula do mecanismo estiver presente.

A Polónia fundamenta o seu veto dizendo que a união europeia estaria a desrespeitar a soberania dos estados ao implementar tal mecanismo e refere que a sua soberania não tem preço. Note-se que a Polónia só tem capacidade para tomar esta posição com credibilidade por ser uma das maiores economias da união europeia. Note-se, simultaneamente, que esta ideia da união europeia intrometida que quer desrespeitar a soberania dos Estados é, também, um reflexo de como os discursos populistas na política interna trespassam para a política externa. Os líderes polacos criam a imagem do “outro” perigoso que é a europa e do “nós” que precisamos de segurança, que é a polónia, típica do populismo.

O veto dos dois países impedia que se aprovasse a entrada em vigor do orçamento de 2021-2027 a 01 de janeiro de 2021, pelo que impasse vivido em dezembro era preocupante. Dada a pressão do momento, a Alemanha, na figura de presidente do conselho europeu, decidiu-se por um compromisso entre as partes, que se constituía na introdução de uma declaração política interpretativa sobre o mecanismo, que limitava a execução do mesmo. Foi desta forma que se ultrapassou o impasse.

Com efeito, a 11 de dezembro de 2020, os 27 Estados-Membros assinaram o acordo sobre o pacote financeiro de 1,8 biliões de euros. Neste dia de negociações, nenhum Estado-Membro se opôs à declaração interpretativa, isto é, nenhum país quis “desempenhar o papel da Hungria e da Polónia”. Esta ideia é demonstrativa da imagem negativa os dois países têm vindo a ganhar no espaço europeu, indo ao encontro do argumento de que a influência da Polónia na Europa está a diminuir .

Embora a influência – leia-se, o soft power – da Polónia na Europa esteja a diminuir, estes eventos relatados demonstram a impunidade de que o país usufrui. Os instrumentos da União Europeia têm uma eficácia limitada para responder ao desrespeito pelos valores basilares do projeto europeu, por parte dos Estados-Membros. Especialmente quando dois Estados-Membros se unem, estes têm mais facilidade em contrabalançar o poder destes instrumentos. Posto isto, a ascensão de regimes com tendências autoritárias, que possam vir a juntar-se à Hungria e à Polónia, é muito preocupante para a União Europeia.


Na imagem, os líderes polaco e húngaro cumprimentam-se durante as negociações sobre o quadro financeiro europeu para 2021-2027.

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