
BIANCA LUDOVINO indaga a ação dos Estados e ONG's no combate ao aumento do tráfico humano impulsionado pelas diversas dificuldades económicas e sociais causadas pela pandemia.
A pandemia provocada pelo Covid-19 pôs fim a milhares de vidas, arrasou a economia global e alterou a forma de viver em sociedade. Perante as diversas dificuldades o risco de tráfico humano aumentou. Mas como estão os Estados e as ONG’s a combater e prevenir este ato desumano?
Muitas vezes confundido com imigração ilegal, em 2000 a Assembleia Geral das Nações Unidas elaborou um protocolo onde apresenta a definição de tráfico humano que foi adotada pelos seus Estados-membros. De acordo com o artigo 3º do protocolo, “tráfico humano” é entendido como “o recrutamento, transporte, transferência, acolhimento ou obtenção de pessoas, por meio de ameaça ou uso de força ou outras formas de coerção, rapto, fraude, de engano, de abuso de poder ou de posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos para obter uma pessoa que exerça o controlo sobre outra, para fins de exploração”.
Tráfico humano é uma prática cruel que existe há milhares de anos e não conhece fronteiras, apesar de ser considerado crime ainda está muito presente no mundo contemporâneo. Segundo o relatório global de tráfico humano de 2020, ao longo dos anos o número médio de casos de tráfico humano tem vindo a aumentar, sendo que a Europa e na Ásia Central possuem o número mais elevado.
Apesar desta tendência, a crise mundial provocada pelo Covid-19 agravou exponencialmente o cenário ao aumentar as vulnerabilidades das pessoas que se encontram cada vez mais expostas aos traficantes humanos. As medidas adotadas como forma de prevenção e contenção do vírus, tais como as restrições de mobilização, o isolamento, o fecho das escolas e limites à atividade económica e vida pública também causaram impactos negativos nas vítimas de tráfico humano.
No ambiente em que vivemos em que as
prioridades e ação dos Estados e das ONGs estão orientadas para limitar a
propagação do vírus, é mais fácil para os traficantes esconderem as suas
operações, tornando as vítimas mais invisíveis. Segundo
Kieran Guilbert, jornalista de escravidão e tráfico, a pandemia levou a que
esta atividade se tornasse mais clandestina. Perante este aspeto, a dificuldade
em identificar e ajudar as vítimas aumentou, assim como também a probabilidade
de contraírem o vírus pois não tendo acesso a cuidados de saúde não conseguem
garantir uma recuperação eficaz.
A pobreza, a falta de oportunidade
económica e limites de proteção no trabalho são identificadas como as principais
causas de tráfico humano. A crise em que vivemos aumentou o desemprego e
consequentemente está a alargar as desigualdades sociais e económicos o que resultou
num aumento
de grupos de risco. Pessoas que tinham um emprego estável e uma boa
qualidade de vida encontraram-se em situações
de vulnerabilidade até então desconhecidas e pessoas que se encontravam em
risco estão ainda mais
expostas ao perigo à medida que tentam alcançar maneiras de subsistência.
Em termos de risco
de exploração as crianças são o grupo mais frágil. O fecho das escolas não
só impediu o acesso à educação, mas também as privou de um abrigo e da sua
fonte principal de alimentação. De acordo com Jarrod Sadulski, professor na
American Military University, em alguns países as crianças são forçadas a sair
à rua à procura de comida ou alguma forma de rendimento, “as
a result, those children are at a higher risk of becoming a victim of human
trafficking”.
Esta alteração de comportamento não
afeta só as vítimas, mas também os traficantes que perante as restrições de
mobilização e o aumento de funcionamento online (por exemplo: escolas e
empregos) adaptaram
as suas formas de exploração, sendo que muitas das operações se realizam através
de tecnologias
de comunicação moderna, onde a vigilância pelas autoridades é menor. Tal
também demonstra ser um perigo para as crianças que cada vez mais têm uma maior
presença online tornando-as vulneráveis a predadores.
A mudança
de prioridades dos Estados também tem um papel relevante neste assunto. O
desvio de grande parte dos recursos para áreas relacionadas com o vírus criou desafios
para os programas de apoio à vítima, que foram obrigados a diminuir a sua
intervenção ou, em alguns casos, suspendê-la por falta de fundos. Segundo John Richmond,
embaixador dos Estados Unidos para combater o tráfico humano “Governments
are focused on a legitimate public health problem. They are not as invested in proactive
investigations to identify labour trafficking and human trafficking.”
Uma
das organizações responsáveis pelo controlo e eliminação do tráfico humano é a
UNODC (United
Nations Office against Drugs and Crime). Esta organização oferece ajuda aos
Estados, não só ao criar estratégias para a luta contra o tráfico, mas também
com recursos para as implementar. Sendo que incentiva os Estados a cooperar
entre si quando se tratam de casos transfronteiriços. No entanto, perante este
aumento exponencial, podemos verificar que tais medidas são insuficientes.
Conclui-se que a pandemia nos veio
mostrar que mesmo em momentos de crise, os traficantes conseguem encontrar
maneiras para continuarem operacionais.
De forma a evitar esta situação é necessária a adoção de uma perspetiva liberal,
uma vez que, só com uma cooperação efetiva baseada na interdependência e numa
gestão cooperativa da segurança, onde o indivíduo é o principal agente na
política internacional é que será possível alcançar o cerne da operação e
eliminá-la. Nas palavras de
John Richmond: “(Combating trafficking) must remain a priority despite this global disruption.”
Portanto
vê-se a obrigação do reforço
da implementação das medidas de proteção incluídas na ONU para que haja um
maior controlo e vigilância da população vulnerável, sendo que uma das
prioridades será a identificação e garantia de acesso a cuidados básicos dos
grupos de risco.
O surto causado pelo Covid-19
obrigou Estados e ONGs a repensar a forma como lidam com os problemas sociais
desencadeados pelas medidas sanitárias impostas a toda a população. Como tal, é
necessária uma política externa que se foque nas mudanças do comportamento das
redes criminosas, de modo que as medidas funcionem de acordo com as
caraterísticas específicas que os crimes estão a assumir no contexto da
pandemia.
Fonte da imagem 1: https://factly.in/page/4/
Fonte da imagem 2: https://www.ctdatacollaborative.org/map
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