Vacionalismo: a natureza humana como entrave à concretização de uma verdadeira comunidade internacional
Filipe Galvão reflete sobre a natureza humana e como esta pode ser um serio entrave à construção de uma verdadeira e autentica comunidade internacional, baseada em valores como a solidariedade, empatia e compreensão.
Assim que surgiram as primeiras notícias sobre um possível confinamento deu-se uma corrida desenfreada ao papel higiénico em todo o mundo quase sem excepção, apesar de não haver quebras no fornecimento deste produto nos supermercados até então.
Da mesma forma, quando surgiram as notícias da primeira vacina
eficaz contra o coronavírus o secretário-geral da ONU, António Guterres, advertiu
para o “Vacionalismo”,
que basicamente consiste na aquisição, em larga escala, de vacinas contra a
covid-19 por parte dos países possidentes, e apesar dos constantes avisos o
pior concretizou-se.
Mas o que tem a ver a corrida desenfreada ao papel higiénico
e as vacinas da covid 19 com a concretização de uma comunidade internacional?? Ora
vejamos: o Canadá, país com cerca de 38 milhões de habitantes, comprou doses
suficientes para vacinar 5 vezes a sua população! Enquanto que em África,
e até à data, nenhum ser humano foi vacinado contra a covid-19, apesar de terem
servido de cobaias em testes para aferir a eficácia da vacina
Os países mais ricos do mundo compõem 16% da população, estes
adquiriram 60% das vacinas
disponíveis. Outra demonstração de individualismo por parte dos estados é o
facto de, por exemplo, Austrália, Canadá e Japão, terem menos de 1%
dos casos e mesmo assim asseguraram mais vacinas que toda a América latina em
conjunto, não sendo assim difícil de fazer o paralelismo entre o individualismo
destes países e o individualismo das pessoas que encheram 3 ou 4 carrinhos de
supermercado com papel higiénico…
Apesar de haver explicações distintas para estes dois fenómenos,
no seu âmago a causa é partilhada, e essa causa é a natureza humana e o seu
excessivo individualismo. Como disse o Prof. Jaime Nogueira Pinto no podcast
“radicais livres”, “em toda a história das pestes e epidemias a natureza humana
em nada mudou….continuam a haver os negacionistas, os apocalípticos (que querem
fechar tudo) e os teóricos da conspiração”.
Nestas ocasiões, o ser humano, olha apenas para si e
recusa-se a olhar à sua volta e reconhecer que o mundo é mais do que a sua própria
vontade, se assim fosse, veríamos que os custos desta política externa de “apoderamento”
de vacinas tem um custo muito para além da saúde, representando também enormes
custos económicos, não só para os países fragilizados mas também para os países
dito desenvolvidos.
Segundo a câmara
internacional de comércio, a vacinação desigual causará perdas económicas no
valor de entre 1.5
mil milhões de euros e 9 mil milhões de euros, das quais mais de metade serão
suportadas pelos países mais ricos. Outro relatório
afirma que por cada dólar que os países desenvolvidos investissem nas vacinas
para o mundo desenvolvido receberiam em troca cinco dólares em produção económica,
tal é o nível de interligação do comércio global.
Para piorar a situação,
a produção das vacinas tem sido muito aquém do desejado e do que foi prometido
pelas grandes farmacêuticas, levando a união europeia a ameaçar restringir
a exportação de vacinas para países terceiros, e a utilização de meios judiciais
para resolver a situação, fazendo assim uso da sua potencia coerciva através do
“hard power” para defender os seus interesses.
Se formos verificar quais são os pilares para a construção
de uma comunidade internacional certamente não serão os que destaquei nesta análise,
muito pelo contrário. Uma comunidade internacional baseia-se na solidariedade,
cooperação e altruísmo transnacional, e apesar de existir uma sociedade
internacional composta por algumas organizações que defendem o bem comum, a sua
concretização fica muito aquém das expectativas propostas pelas mesmas.
Em suma, o falhanço da prossecução do interesse comum, que é
neste momento erradicar a covid-19, acontece porque em última análise é a
natureza humana que dita a política externa dos estados, na medida em que os “policy
makers” apenas adoptam políticas que emanam da vontade dos seus constituintes,
ou seja, as variáveis internas explicam a política externa, e a vontade geral
actual nos países mais desenvolvidos é a obtenção de vacinas custe o que custar
e sem o menor sentimento de solidariedade e racionalidade.
Com esta análise tentei demonstrar com um exemplo um pouco caricato,
que a verdadeira comunidade global nunca prevalecerá (na minha opinião) pelo
menos enquanto a natureza humana não mudar de forma drástica. Metade da
população continuará a morrer de fome enquanto a outra metade continuará a
morrer de obesidade e nunca teremos organizações supranacionais que combatam de
forma efectiva os grandes problemas da humanidade e sempre que houver uma
oportunidade de actuar em conjunto (como é o caso da crise que vivemos) a
natureza humana e o seu individualismo vencerá, na medida em que os estados
apenas são um reflexo dos indivíduos que o compõem.
Fonte da Imagem: https://www.zazzle.pt/do+papel+higienico+casa+presentes
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