EDUARDO SILVA defende implicações globais na crise humanitária da Venezuela, para a qual sanções internacionais afetam toda a região.
A ascensão da migração internacional tem vindo a tornar-se um assunto premente da agenda política e com isso surge o conceito de Migration Diplomacy. Esta ferramenta de política externa tem vindo a ser cada vez mais usada e valorizada no Sistema Internacional. De facto, o interesse de determinados países (como a Turquia) em promover ou impedir o movimento de pessoas refugiadas tem o poder de afetar significativamente as dinâmicas dos mesmos, constituindo-se assim como um importante instrumento de política externa.
Desde 2014 houve um aumento de 8000% de venezuelanos a procurarem estatuto de refugiados por todo o globo. Atualmente existem mais de 5 milhões de refugiados provenientes da Venezuela, concentrados especialmente nos países vizinhos, mas também fora da região como em Espanha ou nos EUA.
A origem desta onda de refugiados prende-se com a grave crise humanitária vivida no país. A escassez de alimentos, de bens essenciais, serviços públicos completamente disfuncionais, nomeadamente o de saúde, a insegurança vivida com o aumento exponencial do crime violento e a violação de direitos políticos e civis fundamentais estão entre as principais causas da emigração em massa.
Com o espoletar da pandemia no início de 2020, esta
situação piorou, originou barreiras
na ajuda humanitária e amplificou a exclusão de imigrantes por todo o mundo, nomeadamente
com fecho de fronteiras, acesso ao mercado de trabalho ou a serviços de saúde. Contudo,
alguns países foram capazes de implementar medidas contrárias, de integração de
imigrantes, o que provou ser uma política bastante mais proveitosa a curto
prazo, com benefícios
claros de gestão da pandemia e dos serviços de saúde, mas também a longo prazo,
para a recuperação das economias, como é o caso da Colômbia, o país que mais
recebe refugiados venezuelanos, muito devido à proximidade geográfica, mas
também à grande semelhança cultural.
Recentemente,
o Presidente colombiano Ivan Duque anunciou que o país irá proceder à
legalização de imigrantes venezuelanos que se encontram ilegais, dizendo
tratar-se de um gesto extraordinário de humanidade, a ser seguido pelos
restantes países sul americanos. Estes, com um crescente sentimento anti-imigração,
têm vindo a implementar políticas coercivas e restritivas à entrada de imigrantes.
Apesar da medida colombiana ser bastante aplaudida por diplomatas e
grupos humanitários de todo o mundo, esta pode acarretar riscos para a estabilidade
política e social do próprio país. Ainda que a generalidade dos analistas políticos
reconheça benefícios,
nomeadamente económicos a longo prazo, mas também imediatos, com a vacinação de
imigrantes para ajudar a conter a pandemia, estes alertam para as eleições
presidenciais em Maio, onde alguns sentimentos anti-imigração presentes na população
(baseados
em sondagens) podem e vão certamente ser usados como arma política.
É o caso de países como o Peru ou o Chile em que, estando também entre os principais destinos dos venezuelanos, apresentam dados bastante elevados de sentimentos xenófobos que têm contribuído e incentivado medidas e ações de exclusão política, social e económica. Estes sentimentos justificam-se por uma maior distância geográfica e diferença cultural, que são potenciados pelo sensacionalismo dos media. É dada demasiada atenção aos poucos crimes cometidos por venezuelanos, passando uma imagem distorcida aos nativos. Os dados mostram que a população rural é a que mais receia a chegada de imigrantes venezuelanos, apesar de ser a que menos os recebe. A par de uma estratégia populista de discurso político que visa unir a população em torno de uma “luta” contra os “outros” vindos de fora, de forma a esconder os problemas já existentes no país, os dados factuais mostram que o crime e os imigrantes venezuelanos não apresentam uma relação direta de causa-efeito, isto é, os estrangeiros cometem substancialmente menos crimes que os nativos.
Outro importante fator agravador das políticas de inclusão é o económico. De facto, ainda que países como o Peru tenham sido dos primeiros a garantir a inclusão de refugiados, o crescente sentimento de anti-imigração veio produzir um backlash que levantou barreiras a essa mesma integração. Portanto, e devido a uma fraca resposta regional à crise humanitária, todos os países estão a ser fortemente afetados do ponto de vista social, mas também económico (ver o caso de Trinidad y Tobago). Financiamento para o desenvolvimento destes países revela-se deste modo crucial.
Um projeto de união regional (iniciada oficialmente em 1984, através da Declaração de Cartagena, para o problema dos refugiados) dos países sul americanos, com o objetivo de formular políticas fortes e conjuntas de incentivo à entrada dos imigrantes no mercado de trabalho formal, pode ser o sinal de confiança necessário para atrair o apoio financeiro internacional que tanto necessitam. Este apoio não é visto como prioritário pela comunidade internacional, por não se tratar de um conflito armado (aspeto bastante valorizado pelos media) como o da Síria, muito mais apoiado internacionalmente.
Assim, as recentes medidas unilaterais de coerção que têm sido implementadas contra a Venezuela, por países como os EUA, e pertencentes à União Europeia, são claramente prejudiciais e só agravam a crise humanitária vivida na região. Apesar de ser considerado um instrumento não violento de política externa dos Estados, neste caso reveste-se, a meu ver, de um violento uso do mesmo, pois os seus efeitos são claramente agravadores da situação já bastante delicada de incumprimento dos direitos humanos. Se o Estado não é capaz de proteger a população, então a responsabilidade internacional deve sobrepor-se à não intervenção, sendo que essa deve ser no sentido de proteger as pessoas e não agravar a condição das mesmas, ainda que indiretamente. Serão os valores democráticos mais importantes que o valor da vida?
Fonte imagem capa: https://www.istockphoto.com/pt/foto/venezuela-suffers-from-state-crisis-with-extreme-inflation-gm1037487698-277716689
Fonte 2ª imagem: https://reliefweb.int/map/colombia/venezuelan-refugees-migrants-region-may-2020
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