Avançar para o conteúdo principal

A anexação do “teto do mundo” e os (esquecidos) Direitos Humanos



FILIPA RIO MAIOR afirma que 70 anos após a ocupação do Tibete por parte da China ainda nada foi feito, sublinhando que a Organização das Nações Unidas se mantem em silêncio num jogo de hipocrisia onde os interesses socioeconómicos são mais importantes que os Direitos Humanos (DH). 

    Após anos de conflito entre forças comunistas e nacionalistas na China, eis que o triunfo da Guerra Civil Chinesa chega pelas mãos do Partido Comunista Chinês (PCC) em 1949. O líder do partido, Mao Tsé-Tung, proclamou a República Popular da China (RPC) e, enquanto o país se tentava reorganizar em moldes comunistas, enviou as suas tropas para a região do Tibete, um estado religioso que vivia até à altura a sua independência com sossego e plenitude. Desde a queda da última dinastia imperial da China (1644-1912), o Tibete tinha, de facto, um governo próprio e autonomia interna, situação que não agradava a Tsé-Tung. Depois de várias tentativas de negociações pacíficas entre o Tibete e a China, o governo chinês decidiu em 1950 invadir o Tibete e, alguns acontecimentos depois, assinar de "forma consensual" como a China afirma, o Acordo de Dezassete Pontos para a Libertação do Tibete, documento que celebra a soberania chinesa sobre o Tibete. No entanto, os tibetanos sublinham até hoje que o seu "governo feudal viu a sua soberania violada de forma ilegal" aquando da ocupação.

    O monge budista e líder espiritual tibetano era também líder político, mas, com a anexação por parte da China o Dalai Lama passa a ser uma personalidade meramente “decorativa”. Os sucessivos governos chineses desde 1950 têm a sua perceção política voltada para o socialismo/comunismo, o que vai contra o sistema político tibetano que consistia num regime político teocrático e, até mesmo, contra o sistema político chinês que não vê os tibetanos como iguais, restringindo-lhes o acesso à saúde e educação. Em 1959, o Dalai Lama é forçado a exilar-se com 150 mil Tibetanos em Dharamsala, na Índia, onde tentam preservar a cultura Tibetana até aos dias de hoje. Atualmente, esta disputa entre a China e o Tibete (atualmente RA) continua muito acesa !! pois a RPC suprime a entidade religiosa, cultural e histórica do Tibete perseguindo monges budistas e forçando, por exemplo, trabalhadores tibetanos a destruir mosteiros para acabar com a identidade tibetana na região.

    O interesse no “teto do mundo” acontece porque o planalto do Tibete e a Cordilheira dos Himalaias são uma grande fonte de turismo: quer pelos monumentos da região como o Palácio Potala, a antiga residência do Dalai Lama e património cultural da humanidade, quer pelos milhares de alpinistas que escalam todos os anos os Himalaias. O PIB estimado para esta região é de cerca de 15 bilhões de dólares. Além disto, os chineses estão de “olhos postos” nas outras riquezas provenientes da região, quer pelas diversas rotas comerciais que por lá passam, quer pelas jazidas de minérios (cobre, urânio, ferro, entre outros), quer pela “caixa de água” da Ásia. É nesta zona que nascem os rios que abastecem a Índia, o Paquistão, a China e o Sudeste Asiático. Só a China contabiliza 1/6 da população mundial, o que por si só, justificava o interesse da RPC na área. Mas, para além desta necessidade de aceder e garantir água para a população chinesa e para as indústrias do país, quem controla a região do Tibete, rica em nascentes, detém todo o poder sobre as águas podendo assim bombeá-las para os países vizinhos. Para a China é imperativo este controlo sobre as nascentes pois conseguirá dominar, de certa forma, os países da região e mexer com a geopolítica local. Por último, é sabido que o Tibete tem a maior reserva de petróleo do continente, o que poderá também justificar parte do interesse da China na região.

    Mas para que a China se continue a apropriar dos recursos do Tibete, as autoridades chinesas perseguem e reprimem a liberdade religiosade pensamento, de expressão, de movimento e de reunião dos tibetanos, sujeitando-os a uma vigilância intensiva de forma a combater qualquer iniciativa de oposição a Pequim ou de apoio ao Dalai Lama no exílio.

    O líder espiritual faz viagens pelo mundo de forma a partilhar a sua crença e os seus ideais através de palestras para os seus admiradores e chegou até, em 1989, a ganhar o prémio Nobel da Paz como reconhecimento do seu trabalho em busca dos direitos humanos e da paz mundial, utilizando como referência a situação do Tibete. Enquanto a sua influência e reconhecimento continuam a crescer, a China vê a sua missão cada vez mais complicada: as manifestações por um Tibete livre e os movimentos de indepedência têm crescido nos últimos anos e vários países pedem à ONU que “defenda o Tibete.” Na sequência da morte de dezenas de pessoas em motins anti-China e da autoimolação de vários monges tibetanos em 2011 em protesto, o Dalai Lama afirma que aqueles “que cometeram suicídio para escapar da tortura e prisões na China não são loucosapenas querem ver “os seus direitos humanos defendidos."

    Mas ainda assim, a ONU não toma uma posição para além das usuais citações de “algumas declarações sobre os Direitos Humanos.” Como a situação do Tibete é “patrocinada pelo Estado da China”, um dos membros fundadores da ONU e membro permanente da Comissão para os DH, torna-se difícil elaborar uma operação das NU contra a própria China uma vez que a organização não pretende entrar em desacordo com a segunda superpotência mundial que possui um forte armamento nuclear e que contribui com verbas para a organização. Assim a China nada teme, mas este jogo de hipocrisia tem custado muitas vidas. O Dalai Lama já pediu à União Europeia que tentasse chegar aos dirigentes chineses pois “o problema deve ser resolvido de forma razoável uma vez que não desaparecerá" e afirma que os tibetanos se identificam "com o modelo político da União Europeia, de comunidade de Estados soberanos." Mas, àqueles e àquelas instituições que ousem ajudar a comunidade tibetana, a China usa a sua influência económica para os silenciar.

    Apesar do crescente consenso internacional do ataque da RPC aos Direitos Humanos, o país destemido continua a dar prioridade aos interesses socioeconómicos e acredita que o quadro dos DH deve ser implementado de acordo com as condições nacionais de cada país. Atualmente, o governo do PCC é uma ameaça às décadas de progresso em matéria de DH. Todos os abusos por parte da RPC suscitam indignações na comunidade internacional uma vez que a ONU visa a cooperação e o respeito pelos DH e, no entanto, "compactua" com esta situação.

 Fonte de imagem: Foto ROMAN PILIPEY/EPA

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A importância das relações de Portugal com os PALOP e com a CPLP no panorama internacional

FILIPA RIO MAIOR  aborda as relações de Portugal com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a importância que as mesmas tiveram (e ainda têm) no panorama internacional.     

Portugal e a extensão da ZEE, os novos descobrimentos ou o novo mapa cor-de-rosa? por Filipe Galvão

  Filipe Galvão analisa a  tentativa de expandir a Zona Económica Exclusiva (ZEE) por parte de Portugal e da sua diplomacia, como forma de aumentar a sua influência geopolítica através da via legal e da política externa, será aceite pela comunidade internacional? Até porque como afirmou outrora Napoleão “A política dos Estados está na sua geografia”.

Apresentação

       Tabuleiro de Xadrez é um blogue sobre política externa, desenvolvido pelos alunos do 3º ano da licenciatura em Ciência Política do ISCSP, no âmbito da Unidade Curricular Laboratório II – Análise de Política Externa, sob responsabilidade da docente Andreia Soares e Castro.