FILIPA GOARMON PALMA escreve sobre a importância geoestratégica do Mar do Sul da China e como isso leva a ações de reivindicação desse território por parte de Pequim.
A explicação do conflito endémico no Mar do Sul da China tem origem não só na sua abundância em grandes reservas de peixe, nas enormes reservas em petróleo e gás natural, como no facto de ser uma das principais rotas de circulação de comércio e de deter uma importante posição estratégica na ligação entre dois oceanos – Índico e Pacífico.
Na medida em que os recursos se encontram numa área marítima partilhada por vários países, apenas um Estado soberano dos principais grupos de pequenas ilhas e recifes – Spratly e Paracel -, poderá usufruir das suas Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) e dos recursos que nelas se encontram.
Neste sentido, o Partido Comunista Chinês (doravante PCC) reivindica a soberania das ilhas argumentando que, de acordo com o seu domínio no comércio marítimo daquela área – desde há centenas de anos -, tem o direito histórico de as reclamar para si. Assim, avançam com a “Linha dos Nove Traços”, uma linha demarcatória que engloba o direito à quase totalidade do Mar do Sul da China – e às ilhas.
Latente à reivindicação do PCC está a garantia do acesso exclusivo a abundantes recursos energéticos essenciais à continuação da sua industrialização, modernização e, não menos importante, à hegemonia regional e internacional que o domínio desta zona lhe trará.
No entanto, as diferentes exigências por parte dos vários Estados interessados impedem que se encontre uma plataforma de entendimento ou de cooperação, resultando, por vezes, em estratégias competitivas por parte da China - que não encontra um rival na medição de forças.
Apesar de Pequim insistir na soberania sobre os territórios insulares, o Tribunal Arbitral Permanente de Haia, recorrendo aos instrumentos previstos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, não reconhece a “Linha dos Nove Traços”. Tampouco classifica o território em questão como “ilhas”, mas sim como “formações rochosas” (artigo 121º da UNCLOS) com construções artificiais. Deste modo, nem a soberania dos territórios, nem o monopólio económico do mar circundante são reconhecidos internacionalmente como pertencendo à China.
Contudo, isto não parece impedir os avanços chineses na ocupação dessas ilhas por meio da construção de bases militares, envio de caças, navios de guerra e sistemas antimíssil e antiaéreo
O não reconhecimento de resoluções de um organismo de justiça internacional é coerente com um padrão de política externa (doravante PE) chinesa que, por exemplo, também não assinou o Estatuto de Roma de 1998 (para a criação do Tribunal Internacional de Haia). Atitudes como esta refletem um desprezo pela ordem internacional e por determinações provenientes de uma jurisdição à qual não reconhecem a devida competência.
A China não teme ações internacionais – sejam sanções económicas ou intervenções militares – pois tem como fazer-lhes frente. A sua retórica é a de quem protege a integridade de um território nacional insular, tão legitimamente como quem defende uma cidade no centro do seu país. Mais, reclamar a soberania de um território é recorrente na sua PE desde o início da Revolução Cultural - veja-se a invasão e anexação do Tibete em 1950. No caso das ilhas, mesmo negando a pretensão de um império marítimo, a China não se coíbe em mostrar a sua musculatura face aos outros pretendentes a fim de levar avante a expansão da sua (já enorme) esfera de influência, demonstrando, uma vez mais, o ímpeto imperialista e nacionalista que a caracteriza.
Também não parece que utilizar argumentos “ocidentais” vá surtir efeito nesta discussão, uma vez que se trata de um Estado cuja matriz política, jurídica, ideológica e, até ética, é diametralmente oposta à “ocidental”– leia-se Many Worlds, Many Theories, Many Rules, de Nicholas Onuf.
Um argumento largamente utilizado pelas autoridades chinesas é o de que as suas ações, nomeadamente a militarização das ilhas, são apenas reações à PE norte-americana, como sejam a sua presença indevida em territórios e ingerência em assuntos que não lhes dizem respeito – um ambiente agressivo ao qual se veem forçados a reagir. Porém, no caso do Tibete, o modus operandi da China foi ação e não reação, uma vez que não havia presença norte-americana neste país.
Deste modo, é difícil acreditar que a militarização só esteja a acontecer porque os EUA se intrometeram. A existência prévia de infraestruturas não é mais do que o início da ocupação ilegítima que, logicamente (por se tratar de “território nacional" chinês), se defende com a instalação de sistemas de segurança e defesa. Está em curso um programa de modernização militar até 2027.
Enquanto Estado que utiliza o poder económico e militar como instrumentos de ação da sua PE, que não reconhece autoridade superior no plano internacional, que desrespeita as regras assumidas por todos e que utiliza a competição para a sua sobrevivência, é seguro afirmar que as posições e atitudes chinesas são entendíveis num contexto de “realismo ofensivo”.
Na esteira destas medidas, em janeiro passado, o PCC aprovou uma lei que autoriza a Guarda Costeira a recorrer à utilização de armas para a defesa da jurisdição e soberania do território das ilhas contra "organizações estrangeiras ou indivíduos". Torna-se clara, portanto, a continuação de uma posição assertiva e intimidatória que Xi Jinping está a ter em matéria de PE.
Os interesses económicos, a segurança e defesa nacional são os principais vetores de orientação da PE chinesa, pelo que, no futuro, poderemos antecipar uma atitude cada vez mais confiante e desafiante no Mar do Sul da China por parte do “Império do Meio”.
Fonte da imagem: Financial Times
Comentários
Enviar um comentário