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A Vacinação Como Ferramenta de Política Externa: O Caso Israelita

 


Henrique Coelho alerta para a forma como um problema global de saúde pública poderá estar prestes a tornar-se numa “arma diplomática” no tabuleiro de xadrez que é o sistema internacional.

   
 Sendo certo que a situação pandémica que se vive em todo o mundo traria sempre novas realidades, não é surpresa que o novo coronavírus traga, para a política externa de vários países, novos fatores a ter em conta. Caso paradigmático desta nova realidade será certamente o exemplo de Israel e da sua “diplomacia das vacinas”. Aproveitando o sucesso relativo que tem sido o seu programa de vacinação, bem como a sua posição privilegiada no acesso às vacinas desenvolvidas para o combate à pandemia, o Governo israelita decidiu pôr em prática novos métodos de diplomacia. É também de notar que em Israel há quem considere que outras razões poderão estar na origem desta ação diplomática levada a cabo pelo Governo liderado por Benjamin Netanyahu.

    Uma estranha troca de prisioneiros, depois de uma cidadã israelita ter sido detida por atravessar ilegalmente a fronteira entre Israel e Síria desperta-nos para a nova realidade diplomática. Oficialmente, teria sido uma simples troca de prisioneiros entre uma israelita e dois pastores sírios, no entanto, uma fonte israelita alegadamente envolvida na troca apresenta outra versão: o governo israelita terá chegado a acordo com o governo de Bashar al-Assad, líder da Síria, através de negociações mediadas pela Rússia. O que esse acordo tem de inédito é o facto de o governo de Netanyahu se comprometer a pagar mais de um milhão de dólares à Rússia, para que esta enviasse centenas de milhares de vacinas para o país liderado por Bashar al-Assad.

    O episódio acima referido levanta diversas questões. Não obstante, importa relembrar que Israel, como Estado que leva neste momento a cabo uma ocupação militar sobre territórios reconhecidos pela ONU, tem vindo a recusar dar vacinas aos mais de quatro milhões de palestinianos que vivem nesses mesmos territórios ocupados. Sobre este tema, recomenda-se a leitura do artigo escrito por Renata Rocha, que nos dá conta da forma como Israel tem vindo a desencadear um apartheid sobre os palestinianos, especialmente no que concerne à problemática da COVID-19. Há, até, uma certa ironia quando a comunidade internacional apregoa o exemplo de Israel no combate à pandemia, e à forma como o Estado israelita tem estado na linha da frente no que toca à vacinação dos seus cidadãos, ao mesmo tempo que parece esquecer a situação de milhões de cidadãos sem uma estrutura estatal que lhes garanta cuidados de saúde contra o coronavírus.

    Se por um lado, as negociações mediadas pela Rússia têm algo de curioso, tendo em conta que falamos de dois Estados inimigos que chegaram a acordo, e uma vez que há várias questões relacionadas que estão ainda por responder, outros casos em que verificamos a “diplomacia das vacinas” praticada por Israel são bastante claros.

    Fruto do stock excedentário que Israel tem em suas mãos, o Estado hebraico tem vindo a aproveitar essa situação para influenciar a relação que outros países têm com Israel. Em causa estão quinze países que fazem parte de uma lista de países a quem Israel já enviou vacinas, ou pretende ainda enviar. Importa usar como exemplo a Guatemala, que recebeu cerca de cinco mil vacinas, tendo sido o segundo país a mudar a sua embaixada de Telavive para Jerusalém, assim como as Honduras, Estado que planeia fazer o mesmo. Exemplos de países com quem Israel não manteve quaisquer relações diplomáticas, muito por questões relacionadas com a ocupação dos territórios palestinianos, parecem estar progressivamente a normalizar as suas relações, certamente influenciados pela apelativa troca que está em cima da mesa.  Esta lista não se fica pela América Latina ou África, sendo que a República Checa também estará à espera de receber as vacinas adquiridas por Israel à Moderna. Neste caso, o Estado-membro da União Europeia prometeu “apenas” abrir uma representação em Jerusalém, mantendo a embaixada em Telavive, pelo menos por enquanto. Este assunto não é de menosprezar, tendo em conta que existe uma disputa histórica por Jerusalém, e Israel, com a sua “diplomacia das vacinas”, pode estar em vias de reacender conflitos que, de certa forma, têm vindo a ser apaziguados nos últimos anos.

    Assim, interessa à comunidade internacional prestar especial atenção ao que se tem vindo a passar em Israel, não obstante o facto de não ser caso único. Reconhecendo que esta nova forma de fazer diplomacia tem a vantagem de afastar a componente bélica no relacionamento entre diferentes Estados, não deixa de ser verdade que a mesma levanta questões éticas que não são de desvalorizar. Porque o que está em causa é a instrumentalização de um problema pandémico a nível mundial, no sentido de beneficiar os interesses políticos e estratégicos de determinados Estados, aproveitando a sua condição financeira superior. Especificamente em relação a Israel, aparentemente esta situação poderá ter a vantagem de estar a aproximar o Estado hebraico a países com quem tem tido, até agora, relações hostis. No entanto, os objetivos que parecem estar na mente dos líderes israelitas fazem-nos sentir que, para além de eticamente reprováveis, Israel poderá estar prestes a reacender conflitos passados e a dificultar uma solução para o problema israelo-palestiniano que tarda em ser resolvido.

fonte da imagem: https://www.euractiv.com/


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