RITA DE BRITO demonstra como, a Turquia, um país que a certo ponto chegou a ser um potencial candidato à União Europeia, é agora visto como o maior desafio em termos de política externa pelos Europeus.
Durante anos, o Estado Turco manteve-se como um essencial parceiro para a União Europeia, em termos da crise migratória, do combate ao terrorismo, da segurança energética e do seu papel na NATO. No entanto, ao longo dos últimos anos, as relações entre a Turquia e a União Europeia têm-se deteriorado, com os líderes europeus a demonstrar um constante estado de preocupação com o regredir do Estado de Direito e direitos fundamentais dos cidadãos na Turquia, especialmente após os violentos eventos no Parque Gezi em 2013, e o golpe de Estado falhado em 2016.
A crise migratória europeia, que atingiu o seu pico em 2015, forçou a UE a repensar a sua relação com a Turquia devido à sua favorável localização geográfica como ponto de entrada para a União Europeia. A Turquia concordou em receber os refugiados e migrantes, em troca de um pagamento da UE no valor de 6 mil milhões de dólares, a promessa da reabertura das negociações para a entrada da Turquia na União e a melhoria das condições Turcas na União aduaneira. Porém, recentemente, Ancara acusou a UE de não ter agido conforme o concordado.
Como forma de protesto, em finais de Fevereiro de 2020, o Presidente Turco, Recep Erdoğan encorajou os refugiados residentes na Turquia a viajar para a Europa sem quaisquer restrições, o que resultou na tentativa de centenas de migrantes de entrar na Grécia e agravou as relações UE-Turquia.
Para além disso, a exploração de gás e óleo no Mediterrâneo é outro dos problemas que poderão levar a confrontos entre a Turquia e a UE. Em finais de 2019, a Turquia assinou um acordo com a Líbia onde ficaram estabelecidos novos limites marítimos entre os dois países, limites os quais não tiveram em consideração a ilha Grega de Creta e, portanto, não respeitando a ZEE pertencente à Grécia.
A União Europeia leva estas ações da Turquia como inaceitáveis, mas ainda assim contesta que os problemas deveriam ser resolvidos através do diálogo. Esta visão é partilhada por Estados-membros como a Itália, Malta e Alemanha, pois estes pretendem proteger as suas relações com a Turquia. Contudo, nem todos os Estados-membros estão de acordo com a forma pacífica adotada. Macron chegou a aumentar a sua presença militar no mediterrâneo de forma a apoiar a Grécia e o Chipre e pediu que fossem aplicadas sanções económicas.
Deste modo, vemos por parte da Turquia, uma política externa que se tem tornado, ao longo dos anos, cada vez mais assertiva e militarizada, e um afastamento do Ocidente, que é visível também no distanciamento das relações com a NATO. Aliás, a relação da Turquia com os Estados Unidos tem-se deteriorado, em grande parte devido ao apoio demonstrado por Washington ao povo Curdo na Síria, e a aquisição do sistema aéreo de defesa russo S-4000 por Ancara, o que levou os Estados Unidos a aplicar sanções à Turquia. É, ainda, de mencionar o fornecimento de drones ao Azerbaijão e o apoio militar e político turco demonstrado contra a Arménia na região de Nagorno-Karabakh.
Apesar de toda esta hostilidade demonstrada por parte da Turquia ao Ocidente, ao longo dos últimos anos, a 21 de novembro de 2020, o Presidente Turco Recep Erdoğan declarou que “Não nos vemos noutro lugar que não na Europa. Queremos construir o nosso futuro juntamente com a Europa”. Acrescentou também que a Turquia queria “utilizar ativamente as suas relações de aliança antigas e estreitas com os Estados Unidos para encontrar uma solução para os problemas regionais e mundiais”.
Claramente, estas afirmações são bastante contraditórias à política externa recentemente demonstrada por parte de Ancara e, portanto, é compreensível que a Turquia adapte repetidamente os seus moldes de política externa conforme as narrativas internacionais se vão desenvolvendo, de modo a satisfazer os seus requisitos em termos de política interna ou nacional. Assim sendo, o facto de a Turquia agir simultaneamente como um amigo e inimigo cria uma grande incerteza para a Europa e os Estados Unidos.
A meu ver, uma das causas para a abrupta mudança de pensamento em termos de política externa para Erdoğan poderá ter que ver com a chegada da administração Biden ao palco mundial, já que a necessidade de restaurar as alianças transatlânticas de modo a responder aos desafios estratégicos da atualidade foi um assunto proferido pela administração Biden, onde certamente a Turquia desempenhará um papel crucial.
Apesar da adesão à UE nunca ter sido formalmente terminada, a verdade é que nenhuma das partes parece acreditar que esta possa vir a acontecer. Do lado da UE muitos dos Estados-membros não estão de acordo com esta adesão; do lado da Turquia, nunca chegou a ser percetível se o objetivo seria tornar-se um Estado-membro oficial ou apenas garantir os benefícios económicos e políticos que advém com tal.
Ainda assim, independentemente dos desentendimentos entre Bruxelas e Ancara sobre a crise migratória, as operações militares da Turquia contra os Curdos no norte da Síria e os acontecimentos no Mediterrâneo, ambos os lados vizinhos sabem ser essenciais um para o outro, relembrando-se da importância estratégica que a sua aliança acarreta.
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