ANA RITA GONÇALVES explica como um conflito armado e persistente entre o Irão e Israel pode destruir a ordem internacional existente.
Irão e Israel foram aliados e parceiros regionais até à queda do Shah, em 1979, como resultado da Revolução Islâmica liderada por Khomeini, no Irão. Esta revolução derrubou os laços existentes muito rapidamente. Por isso, ao longo dos últimos quarenta anos, os dois estados encontram-se envolvidos numa guerra fria marcada por confrontos militares ocasionais e indiretos.
Apesar de ambos terem uma grande comunidade judaica, partilharem laços económicos e securitários, o Irão tem, de forma consistente, recusado estabelecer relações diplomáticas com Israel. Ainda que existam marcas de uma colaboração bilateral relativa ao reinado do Shah, o Irão mantém-se reticente em reconhecer Israel como um Estado judaico independente- tal deve-se, em grande parte, à hostilidade da sociedade iraniana face aos judeus israelitas. Ora, se o primeiro prego no caixão desta relação bilateral foi a Revolução Islâmica (1979), o segundo foi a invasão do Iraque pelos EUA, na II Guerra do Golfo (2003). Esta acentuou a rivalidade existente entre Israel e Irão em dois aspetos: enfraqueceu Israel como um estado soberano, o que se traduziu neste deixar de ser o mediador entre o Golfo e o Levante- permite que o Irão tenha influência sobre estas regiões; a queda do regime de Saddam Hussein e a destruição das ambições nucleares do Iraque mitigaram as preocupações iranianas com a segurança.
Nos últimos anos, o conflito entre Israel e o Irão cresceu significativamente: este já não abarca apenas as aspirações nucleares do Irão, agora compreende também as suas capacidades de projeção militar de longo alcance, tal como o seu comportamento regional. No topo da agenda israelita está a preocupação com os mísseis de longo alcance do Irão, pois, estes encontram-se cada vez mais perto de Israel e com cargas cada vez maiores, dotadas de precisão e sofisticação aterradoras. Todavia, esta não é a única ameaça que Israel avista, este preocupa-se ainda com os esforços iranianos para estabelecer uma presença militar permanente na Síria- base ideal para estabelecer uma segunda frente de ataque contra Israel. Outra fonte de fricção é o apoio iraniano e o favorecimento de proxies regionais no Iraque- enquanto estende a sua capacidade de projeção militar em direção a Israel-, Gaza e Iémen. Ademais, alguns dos choques entre o Irão e Israel tendem a derramar para fora do Médio-Oriente, seja com o intuito de Israel tentar sabotar redes de comércio clandestino iranianas ou o Irão com o objetivo de se vingar de israelitas e judeus, tanto na Ásia como na América do Sul.
Assim, é possível afirmar que esta relação bilateral pode ser explicada pela teoria realista- esta enuncia que o Estado é o ator central. Naturalmente, esta teoria descreve o sistema internacional como anárquico, argumentando que a eventualidade de mudança no sistema resulta de variações na força e poder dos Estados. Consequentemente, tal como se pode observar no cenário em estudo, o sistema internacional demonstra uma situação de conflito de interesses duradoura entre os Estados em questão. Isto é, os interesses e desejos de um Estado sobrepõem-se ao seu papel ideal no palco das relações internacionais. O que, eventualmente, se traduz numa questão estrutural, isto é, a estrutura (ambiente) em que os Estados se encontram influencia a ação que estabelecem entre si: o Médio-Oriente, como região, orienta a ação dos Estados que o compõem numa direção violenta e defensora dos interesses nacionais em detrimento de vidas humanas e estabilidade socioeconómica.
Nos últimos anos, o confronto bilateral tem se vindo a intensificar e a manifestar em confrontos diários. Assim, Israel assumiu, publicamente, o compromisso de aplicar uma estratégia coerciva e assertiva que visa evitar que perigosas armas nucleares se encontrem, de forma estratégica, na Síria, no Líbano ou em Gaza. Este plano contém diversos ataques aéreos a instalações e fornecedores do Irão em Estados como a Síria, o Líbano e o Iraque. Assim, caso desponte um conflito armado entre o Irão e Israel, este alastrar-se-á para os Estados vizinhos, nomeadamente, para a Síria, Líbano, Iraque e Iémen- tal levaria ao envolvimento dos EUA e, possivelmente, da NATO.
Por fim, um conflito nesta região simboliza uma caixa de pandora que, caso não seja contida, deixará um rasto de destruição e morte por onde passar- é por esta razão que os grandes atores internacionais devem intervir neste conflito de forma a evitar um confronto armado ou nuclear que leve à desconstrução da ordem internacional existente. Deste modo, a intervenção de entidades como a Organização das Nações Unidas ou a União Europeia pode provar-se valiosa, pois, é importante não esquecer, que a ação militar dos EUA no Médio-Oriente se evidencia como um dos motivos para a ruína da região.
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