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Amazónia: Mais uma submissão das políticas ambientais às lógicas económicas

TÂNIA MELRINHO defende que o pulmão do planeta está a arder, motivo mais do que suficiente para unir a humanidade e apelar à solidariedade internacional. O fracasso em privilegiar as mudanças climáticas como uma emergência internacional ameaça um futuro distópico cada vez mais plausível.

    A crise da Amazónia traduz-se no padrão que a globalização definiu, a partir de 1980, de uma nova configuração geopolítica, distinta pela crescente necessidade e procura internacional por recursos estratégicos. Nesta nova era da globalização, a procura incessante por regiões vitais e ricas em recursos naturais torna-se um fator desafiante para as grandes potências económicas que até aqui comandaram o comércio internacional. Agora as potências ricas em recursos estratégicos passam a ocupar o foco da agenda internacional, é o caso da Amazónia, detentora de uma posição geopolítica fundamental, que passa a ser vítima das potências hegemónicas.

    A Amazónia é uma biomassa complexa, umas das maiores florestas tropicais do mundo e um ponto crítico de biodiversidade, estende-se pela bacia hidrográfica do rio Amazonas, por oito países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana (França), Peru e Venezuela. Atualmente, assistimos à disputa pelo controlo e exploração dos recursos que esta oferece entre os maiores atores internacionais e os países detentores dos recursos naturais estratégicos.  A rede de interesses políticos, económicos e comerciais é cada vez maior, abrindo caminho para a perpetuação do lucro e capital.

    A apropriação de terras não é novidade, a desflorestação e os assassinatos das comunidades indígenas que lá habitam continuam a ser normalizados, as forças de mercado e o desenvolvimento económico voltam a atacar. Afinal do ponto de vista de Bolsonaro, desenvolvimento económico é sinónimo de exploração de recursos naturais, não há limites para a subida ao pedestal do poder. Por ser considerado um território desabitado, economicamente atrasado e carecido de empreendedorismo, vê-se nessa situação uma justificação para a ocupação, o domínio e a perpetuação da globalização capitalista com a finalidade de explorar os recursos naturais do pulmão do mundo.

    Este processo de apropriação de recursos estratégicos é identificado pela autora Bertha Becker como a “mercantilização da natureza”, onde a Amazónia passa a ser a vítima do mercantilismo do capital natural. Os interesses económicos nacionais e estrageiros da exploração que existe, gera não só danos irreversíveis no meio ambiente, como também tensões e disputas territoriais, entre multinacionais, trabalhadores, colonos e povos indígenas. Não podemos apenas apontar o dedo a Jair Bolsonaro, que subsidia estas exportações, mas também devemos pedir justificações aos EUA, Europa e Japão que transferem as suas indústrias poluidoras para a Amazónia.

    Bolsonaro, ao contrário do que propaga, não é nenhum bode expiatório de campanha externa, mas os discursos ambientalistas que ocultam os interesses económicos de outros países também não devem passar impunes.  A preocupação não é apenas ambiental, mas sim uma arma de enfraquecer o agronegócio brasileiro, um pilar da economia, e abrir espaço para a corrida ao poder continuar. Os governos do G7 que criticam formalmente o presidente brasileiro, de forma a aliviarem a sua própria consciência e manipularem a opinião pública, são os mesmo que permitiram a sua ascensão ao poder, com os benefícios de as suas multinacionais terem a liberdade para explorar os recursos amazónicos.

    Bem recordamos que a agenda da Cimeira do G7 foi alterada de modo a enfrentar esta crise, onde os 7, França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Japão, Canadá e Estados Unidos e a União Europeia, representaram o papel de bombeiros planetários. Poderíamos até dizer que esta alteração na agenda foi utilizada como smart power, numa vertente de dualidade, de um lado contra Bolsonaro, de outro para evitar o escrutínio da opinião pública. Como defende o autor Joseph Nye , ganhar os corações e as mentes é tão importante como ganhar as guerras. Todavia, passando o foco mediático, regressaram à realidade de sempre, gerir o regime e a sociedade capitalista onde se mantêm os verdadeiros incendiários da Amazónia.

    Aqui reside a verdadeira questão, o que realmente precisa de ser questionado são os modelos económicos e as lógicas de crescimento infinito, bem como a acumulação de lucro. É preciso existir uma consciencialização de que os comportamentos sociais, mas maioritariamente os económicos e políticos representam um entrave à sustentabilidade. Priorizar as mudanças climáticas como uma emergência internacional, só será possível quando os sistemas de governo, do local ao global, se alinharem para sustentar os ecossistemas que são a base da humanidade, a solução é simples: cooperação. É do interesse de Bolsonaro, de Biden (na altura Trump), de Merkel, de Macrón e todos os chefes de Estado cooperarem na proteção da Amazónia. Ou melhor, é do interesse da comunidade internacional proteger e recuperar a Amazónia, os benefícios multidimensionais atingem todos os Estados-nação.

    A “soberania brasileira sobre a Amazónia”, não pode ser um impasse, quando esta soberania continua sem proteger os povos indígenas e a diversidade ambiental existente, não havendo esta proteção por parte do Estado brasileiro, a responsabilidade internacional tem e deve sobrepor-se à não intervenção, não é uma crise ambiental brasileira, mas sim uma crise internacional

    Neste sentido, é essencial uma diplomacia ecológica e a adoção de uma política humanista em relação às comunidades indígenas e ao bem comum ambiental. A Amazónia é património mundial e a sua destruição inconsciente em nome do capitalismo, não pode ser tolerada.  A integridade ecológica da Amazónia é fundamental para a segurança internacional, não só ambiental, mas humana. 

 

Fonte da imagem: Carlos Latuff


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